RESUMO
Este texto tem como objetivo, analisar a pobreza
enquanto expressão da questão social, fazendo um breve levantamento sobre seu
fundamento histórico e suas dimensões, articulado-o com os princípios da
sociedade capitalista. Pretende-se também discutir a funcionalidade do Estado
neoliberal, no sentido do enfrentamento da pobreza e da desigualdade via
políticas sociais e públicas e seus embates na vida da classe trabalhadora, com
a finalidade de apreender quais os seus reais interesses. Serão destacados
também os desafios profissionais do assistente social frente às ações
minimalistas em face da questão social maximizada.
INTRODUÇÃO
A pobreza é uma manifestação que
permeia a sociedade desde o seu fundamento como sociedade de classes, sendo
assim a pobreza não é fruto apenas da sociedade capitalista, esta passa a
existir a partir das primeiras formas de exploração do homem pelo homem nas
sociedades escravista e feudal, mas é no modelo de produção capitalista que
esse fenômeno torna-se complexo e persistente. É a partir do advento da
sociedade capitalista e do desenvolvimento das forças produtivas comandada
pela relação desumana de exploração do capital que a pobreza se agrava e ganha
maiores proporções.
A pobreza vem se intensificando
ao longo dos séculos, sobretudo nos países da América Latina, os quais
necessitam alcançar em números, metas que comprovem o combate e o fim da
miséria.
A ordem socialmente determinada
estabelece ideologicamente a pobreza como um fenômeno essencialmente ligado
apenas a carência monetária, fenômeno esse que deve ser “combatido” através da
intensificação do uso de mecanismos estatais, a exemplo dos programas de
transferência de renda. Segundo Andrade, (1989). “Isto espelha a própria lógica
interna da dinâmica do sistema capitalista, no qual o Estado aciona mecanismos
que mais favorecem a sua própria acumulação e legitimação do que mesmo
beneficiam a população para a qual esses mecanismos são justificados,
significando que a ordem estabelecida requer a pobreza e a reproduz enquanto
tal, isto é, enquanto carência material e demanda social”.
Ao
passo em que o Estado “combate” a pobreza e a desigualdade, ele as mantém, pois
este precisa exercer a sua principal função que é atender as necessidades do
capital com a manutenção e reprodução da força de trabalho via políticas
públicas e conservar a lógica de funcionamento da ordem social vigente, onde se
encontra o fundamento da contradição capital/trabalho que gesta e agrava a
situação de pobreza, enquanto expressão da questão social. Ao Estado cabe a tarefa
de regular as relações de desigualdade gestadas nesta sociedade, desse modo ao mesmo tempo em que o capitalismo
exclui os indivíduos, o Estado trata de “incluí-los” na categoria que “iguala”
todos os indivíduos nessa sociedade na esfera do Estado: a cidadania.
Segundo os estudos de Sérgio
Abranches, (1985) “pobreza é destituição, marginalidade e desproteção:
destituição dos meios de sobrevivência física; marginalização no usufruto dos
benefícios do progresso e no acesso as oportunidades de emprego e renda;
desproteção por falta de amparo público adequado e inoperância dos direitos
básicos de cidadania que incluem garantias à subsistência e bem-estar social”.
O autor, mesmo destacando os
direitos e as garantias a subsistência, fica subentendido as demais dimensões
da pobreza quando o mesmo referencia os direitos a cidadania. Abranches
questiona os parâmetros que avaliam e afirmam inteiramente a pobreza através
dos níveis de renda. Para o autor, no Brasil, atualmente convivem duas formas
de pobreza: “a estrutural, mais arraigada e persistente, e a cíclica que se
agravou com a crise do desemprego.” (Abranches, 1985).
O fator econômico é um componente
da pobreza no sentido de “ameniza-la”, mas também e principalmente é o
componente que a determina, sendo a pobreza resultante das relações de
exploração de classes.
Dando-se relevância ao estudo da
pobreza em dimensões não econômicas destaca-se a concepção de pobreza de Pedro
Demo denominada “Pobreza Política” na qual ele concebe a pobreza como privação
de cidadania. Assim como Abranches, Demo também referencia duas formas de
pobreza que são: “não ter e não ser” a primeira é de ordem material e a segunda
de ordem imaterial. Para Demo, “é pobre também a pessoa que vive em estado de
manipulação, ou destituída da consciência de sua opressão, ou coibida de se
organizar em defesa de seus direitos”. (Demo, 1988).
A questão da pobreza política,
para Demo, está ligada a falta de participação dos indivíduos na construção
histórica da sociedade e a postura acomodada dos mesmos em face das
desigualdades sociais. Não se trata de desprezar a questão material da pobreza,
mas agregar a preocupação com a questão material, a preocupação com a questão
política, possivelmente ainda mais grave, segundo o autor.
POBREZA E DESIGUALDADE
Segundo Netto, [1]com base
em dados e pesquisas cientificas que comprovam o alto índice de
desigualdade social nos países que compõem a [2]América
Latina, o autor diz que “Há poucos países, na América Latina e no mundo, que
apresentam padrões de desigualdade social como os que se registram no Brasil.” Mas
a desigualdade, embora em nível diverso não é uma realidade apenas brasileira,
marca o conjunto das principais sociedades latino-americanas que apresentam o
maior índice de desigualdade do planeta.
A pobreza é uma problemática que está intimamente articulada à
desigualdade, pois são constituintes da exploração da dinâmica econômica do
modo de produção capitalista.
Os indicadores da pobreza são sempre objetos polêmicos, pois costumam
apresentar resultados muito diversos, servindo como meios de manipulação
política e ideológica. Os estudos contemporâneos sobre desigualdade e pobreza
fogem a referenciais teóricos críticos, não fazem uso de nomenclaturas como –
modo de produção capitalista - que apontam o norte fundamental para tratar o
fundamento histórico da pobreza e da desigualdade, ou seja, não se vai às
bases, a fonte do problema, pois não é esse o interesse de quem tenta
justificá-la nessa sociedade.
Segundo Netto, na perspectiva
marxiana: “desenvolvimento capitalista é, necessariamente e irredutivelmente,
produção exponenciada de riqueza e produção reiterada da pobreza”. A pobreza
sempre existiu e sempre continuará a existir nessa sociedade, pois é esta
mesma, segundo [3]Netto,
a contraparte necessária da riqueza socialmente produzida. Por isso, é possível
afirmar que o desenvolvimento econômico não é a única condição necessária para
enfrentar a pobreza que decorre da própria acumulação capitalista.
Ao falar em crescimento econômico e redução da pobreza e desigualdade,
faz-se necessário fazer um breve retorno ao modelo de Estado de Bem Estar
social que foi, segundo Netto, uma
articulação política em que o crescimento econômico contribuiu
significativamente para a redução da pobreza absoluta e uma diminuição da
desigualdade, em um contexto de “anos gloriosos”.
Com a [4]crise
do capitalismo nos anos 70 do século XX, a burguesia monopolista rompeu com uma
relação de 30 anos de sucesso com Keneysianismo/ Estado de bem estar social. O
objetivo desse rompimento foi uma tentativa de conter a queda das taxas de
lucros, incorporando a partir disso a ideologia neoliberal que tem como real
objetivo um Estado mínimo para os males sociais e máximo para os interesses do
capital, o que trouxe rebatimentos desastrosos para a classe trabalhadora, como:
- Desresponsabilização do Estado e do setor público com uma política
social de redução da pobreza articulada coerentemente com outras políticas
sociais. Visto que o combate à pobreza acontece através de uma política
específica que põe em questão seu caráter universal.
- A desresponsabilização do Estado e do setor público.
- Desdobra-se o sistema de proteção social: para os seguimentos
populacionais que dispõem de alguma renda, há a privatização/mercantilização
dos serviços a quem pode recorrer; para os seguimentos mais pauperizados há
serviços públicos de baixa qualidade.
- Flexibilização das leis trabalhistas, terceirização entre outros
prejuízos para o mundo do trabalho.
Nesse contexto neoliberal a política voltada para o enfrentamento da
pobreza é prioritariamente emergencial, focalizada e reduzida à dimensão
assistencial. São ações minimalistas para enfrentar a questão social
maximizada.
Segundo Netto, a desconstrução do
Estado de Bem Estar Social mostra a incompatibilidade entre a dinâmica
capitalista e a supressão da pobreza e da desigualdade. Essa desconstrução
indica que o capitalismo contemporâneo mostra-se cada vez menos capaz de
viabilizar reformas de ampliação de direitos sociais e só pode manter-se e
reproduzir-se através do processo de acumulação que desencadeia todo o processo
de fundamento e alargamento dos males sociais.
POBREZA, DESIGUALDADE E PROTEÇÃO SOCIAL
A [5]Constituição
é marco central para analisar a evolução recente da proteção social no Brasil,
que ao contrário dos programas contributivos, que tem longa história no país,
as chamadas transferências de renda não contributivas têm origem recente, eles
surgem, na esfera federal, a partir dos anos 2000, implantando novos tipos de
benefícios monetários, não previstos pelo texto constitucional, não sendo,
pois, um direito social, mas um beneficio financeiro assegurado pelo Estado em
instancias governamentais.
Os programas de transferência de
renda contributivos estão no âmbito do seguro social, inseridos na Política de
Previdência Social, sendo um direito social reconhecido constitucionalmente.
Porém o acesso a este direito social será, somente mediante ao vinculo
contributivo.
Os programas de transferência de renda não
contributivos destacados por Jaccoud são o BPC e o PBF, ambos inseridos na
Política de Assistência Social. A implantação do BPC, assegurando uma renda
mensal de cidadania a todos os idosos e pessoas com deficiência em situação de
pobreza, também significou uma relevante inovação. Este garantiu uma ampla
cobertura da população idosa pela proteção social, além de atender de maneira
inovadora no país as pessoas com deficiência em famílias pobres
independentemente de qualquer contribuição. O [6]PBF
garantiu a implantação de um beneficio básico voltado
às famílias mais pobres independente da composição familiar, se houver crianças
ou jovens nessa composição é instituído um acréscimo no benefício. A expansão
do PBF vem consolidando a transferência de renda não contributiva como um novo
pilar da proteção social brasileira, cumprindo o papel de complementar os
demais programas de transferência de renda.
Esse novo formato da seguridade
social visa objetivos distintos. O contributivo visa prevenir os riscos sociais
e o não contributivo, visa remediar situações nas quais a pobreza já existe.
[7]A
proteção social contributiva, no tocante a questão do mercado de trabalho se
refere à manutenção da exclusão dos trabalhadores desempregados, empregados sem
carteira assinada e os trabalhadores vinculados a atividades autônomas, com
completa insegurança dos vínculos empregatícios, logo, sem condições de manter
a contribuição junto à previdência, correndo o risco de perder a condição de
segurado. Quanto à proteção social não contributiva, a relação de trabalhadores
formais que muitas vezes se encontram em formas de ocupações precárias, cujos
salários são muito baixos, além da insegurança dos vínculos empregatícios,
muitas vezes com contratos provisórios, terminam por se igualar a mesma
situação de trabalhadores informais devido a precariedade de suas ocupações[8]. [9]Desse
modo, o fato de trabalhar não reduz necessariamente os riscos de pobreza.
Os
beneficiários idosos do BPC hoje são os antigos participantes do mercado de
trabalho que não mantiveram vinculo contributivo com a previdência social. São
também as famílias de trabalhadores desempregados, empregados sem carteira,
trabalhadores autônomos e trabalhadores sem remuneração e o público
privilegiado do PBF hoje que por não contribuírem com a previdência também,
futuramente, serão beneficiários do BPC.
Diante disso, Mota, problematiza quando diz
que as Políticas de Previdência e de Assistência estão longe de formarem um
amplo e articulado mecanismo de proteção, adquiriram a posição de serem uma
unidade contraditória: “a afirmação de uma parece ser a negação da outra.” A
autora faz essa afirmativa, pois segundo a mesma, ambas as políticas deveriam
“proteger” o trabalho, mas devido aos os processos históricos (reestruturação
do capital sob a ótica neoliberal) surgem os programas de transferência de
renda, tornando a Política de Assistência focalista, voltada para minimizar a
pobreza, fugindo do seu objetivo primeiro que é atuar conjuntamente com as
outras duas políticas sociais que compõem a Seguridade Social.
DESAFIO DOS ASSISTENTES SOCIAIS FRENTE À POBREZA
Quanto aos desafios dos assistentes
sociais frente à pobreza, Netto diz que o profissional de Serviço social deve
compreender a pobreza em sua gênese e no seu movimento. Através disso a
intervenção do assistente social irá variar e com isso, variarão também os seus
procedimentos para intervir junto a grupos humanos atingidos pela pobreza.
Só o
profissional que possuir e souber manejar categorias capazes de qualificar
teórica e socialmente a pobreza, poderá se colocar, corretamente ao problema
dos instrumentos e das estratégias de intervenção; para um profissional que
compreende a pobreza como natural e insuprimível e para outro que a apreende
como um resultante necessário da exploração. (Netto, 2006).
O
assistente social precisa compreender a dinâmica do capital contemporâneo e o
significado social da profissão que é demandada pelo capital para enfrentar as
expressões da questão social demandada por ele próprio, para então, apreender
os seus limites e possibilidades de atuação. Para Netto, o limite
parece claro: nenhuma ação profissional suprimirá a pobreza e a desigualdade na
ordem do capital. Mas seus níveis e padrões podem variar e essa variação é
absolutamente significativa – e sobre ela pode incidir a ação profissional,
incidência que porta as possibilidades da intervenção que justifica e legitima
o Serviço Social.
É preciso ainda que, ao apreender a função social da profissão o
assistente social se perceba como uma profissão necessária para a reprodução
social em diversas áreas, percebendo que não há contradição na profissão, esta
nasce com sua função bem determinada, que é atuar no enfrentamento da questão
social dentro de políticas sociais/públicas gerenciadas pelo Estado. A
contradição está na base material da construção dessa sociedade na relação de
exploração entre capital/trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pobreza está expressa em uma
totalidade fundada pela relação de contradição entre capital/trabalho. É
importante, segundo Netto, a compreensão de que a pobreza não findará neste
modelo de sociedade, pois é este mesmo modelo que trata de produzir e
reproduzir a pobreza e suas diversas dimensões. Não será o enfrentamento da
pobreza via políticas públicas que acabará com essa expressão da questão
social, as políticas sociais representam o Estado neoliberal no gerenciamento
da pobreza, sem tomar medidas estruturais, mas apenas mantendo-a em “níveis
amenos”, a partir do desenvolvimento das políticas sociais.
Notas de rodapé
[1] Dados de 1999 revelam que no
Brasil, em média para cada 1 dólar recebido pelos 10% mais pobres, os 10% mais
ricos recebem 65,8. Ou seja: os mais ricos se apropriam de uma renda quase 66
vezes maios que os pobres.
[2] A América Latina é a região
do planeta onde existem as maiores desigualdades e onde os mais ricos recebem
uma maior proporção de renda. Esses países apresentam a maior porcentagem de
renda para os 5% mais ricos e a menor porcentagem de renda para os 30% mais
pobres entre todas as regiões do planeta.
[3] No entanto Netto diz que os
padrões de desigualdade e de pobreza não são apenas determinações econômicas,
relacionam-se através de mediações muito complexas, determinações de natureza
político-cultural.
[4] Segundo Netto, essa ofensiva
do capital iniciada nos anos 70 teve uma finalidade central – fazer do mercado
o único regulador societário.
[5] A Constituição
alterou o quadro da proteção social com expressivos impactos, tanto em termos
de ampliação da cobertura como em termos redistributivos.
[6] Entre abril de 2001 e janeiro de 2002, o governo
federal instituiu os programas Bolsa Escola, Bolsa alimentação e o Auxilio Gás.
Esses programas se voltavam ao atendimento de famílias pobres e se associavam a
um grupo de restrições progressivas as coberturas universais (direito social)
assegurados pelo modelo de proteção social adotado em 1988. Os programas de
transferência de renda que haviam sido acrescidos em 2003, do chamado Cartão
Alimentação, foram unificados, em 2004, pelo PBF.
[7] Durante a década de 90, reformas implementadas buscaram atuar no sentido contrário aos
direitos sociais. A adoção de medidas restritivas significou a ampliação da
desproteção para alguns grupos de trabalhadores. Entre essas medidas, Jaccoud
destaca a substituição da comprovação por tempo de serviço por tempo de
contribuição para o acesso à aposentadoria, fazendo crescer o risco de perda da
condição de segurado e dificultando o acesso aos benefícios previdenciários.
[8] Segundo Campos
e Pochmann (2007), citados por Jaccoud, concluem que menos de 11% dos
trabalhadores informais mantinham-se, em 2006 como contribuintes. A baixa taxa
de contribuição é reforçada pelos expressivos números de desempregados no
mercado de trabalho assim como pela alta rotatividade no emprego, que segundo
os autores citados por Jaccoud, compromete a permanência do vinculo com a
previdência e, em consequência, a garantia de proteção social.
[9] De acordo com a Pnad 2006, pouco menos que 10% das
famílias cujos chefes participavam da PEA estavam em situação de indigência.
Contudo mais de 40% das famílias cujo chefe estava desempregado se encontravam
nesse grupo. Praticamente o mesmo se observa nas famílias onde o chefe trabalha
sem remuneração.
Referências
NOGUEIRA.
Maria Veralucia Leite. Uma representação conceitual da pobreza. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (36). São
Paulo: Cortez, 1991. Pág. 101 a 125.
PAIVA. Beatriz Augusto, OLIVEIRA. Maria Norma e GOMES.
Ana Lígia. Medidas de combate à pobreza. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (63). São Paulo:
Cortez, 2000. Pág. 27 a 44.
MONTAÑO.
Carlos. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (110). São Paulo:
Cotez, 2012.
-
DEMO, Pedro. Pobreza política.
Campinas: Autores Associados, 2001.
NETTO, José Paulo. A ordem social contemporânea
é o desafio central.
33º Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social.
33º Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social.
Santiago do Chile, 28/31 de agosto de 2006.
JACCOUD. Luciana. Pobres, pobreza e
cidadania: os desafios recentes da proteção social.
MOTA. Ana Elizabete. Seguridade Social no cenário
brasileiro.
Por Priscila Morais- Graduanda em Serviço Social/ UFAL
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