As políticas sociais e o estabelecimento de modelos de proteção social podem ser
expressos como formas de enfrentamento às variadas manifestações resultantes das
relações de exploração evidenciadas no sistema de produção capitalista e nas
suas relações de exploração do capital sobre o trabalho.
A história das políticas sociais está atrelada ao contexto histórico da moderna
sociedade capitalista e à consolidação dos Estados nacionais. O fortalecimento
da nova ordem liberal e capitalista favoreceu o surgimento de recursos de
combate a pobreza, causada pela instabilidade política e social. Nessa época
surgiram novos atores sociais “que não eram mais servos submetidos às antigas
relações senhoriais, mas indivíduos livres, cidadãos responsáveis por si e pelos
rumos da sociedade” (CASTRO e RIBEIRO, 2008, p.20).
Com a consolidação do capitalismo industrial, se configurou um novo perfil da
pessoa vulnerável, que antes era o mendigo ou o vagabundo e diante desta nova
situação, passou a ser o desempregado, que depende do surgimento das
oportunidades e é livre para buscar o seu sustento e de sua família. Porém, fica
à mercê da exploração gerada pelas relações de trabalho. O posicionamento
alcançado pelos indivíduos no mercado era que definia o acesso aos benefícios da
política social.
Diante deste panorama e sucumbindo parcialmente às reivindicações da classe
trabalhadora, o Estado passou a assumir algumas demandas desta classe. Com isso,
o sistema de políticas sociais começou a ser financiado pela contribuição do
trabalhador e do empregador (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). Pode-se dizer então,
que em um primeiro momento, a política social estava atrelada ao mercado de
trabalho e não era definida como um direito social, mas como uma tentativa de
amenizar os efeitos negativos do capitalismo frente às necessidades do
trabalhador. Portanto, o Estado não era definido como o principal provedor de
recursos destinados a esfera social, mas sim coadjuvante do sistema que foi
instituído, e visava apenas à superficial minimização dos efeitos nocivos das
relações capitalistas.
A economia e a política brasileira foram fortemente abaladas pelos
acontecimentos mundiais das três primeiras décadas do século XX, principalmente
nos anos posteriores a 1930, quando se percebia as consequências da grande crise
do capitalismo. Neste contexto foi introduzido no Brasil um sistema que
pretendia atender as necessidades da população que se encontrava à margem da
sociedade. Porém, esse sistema ainda enfatizava uma cidadania regulada nos
moldes do mercado de trabalho que crescia vinculado ao intenso processo de
industrialização. Tratou-se de um momento marcado por importantes transformações
econômicas e sociais, pela transição de um modelo de desenvolvimento
agro-exportador para um modelo de urbanização e difusão da produção em grande
escala baseada na racionalização e divisão técnica do trabalho. Neste mesmo
contexto, ocorreu um reordenamento das funções do Estado, que passa a assumir um
maior controle sobre as relações econômicas e provisionar recursos diretamente
aos setores sociais anteriormente negligenciados em suas decisões (SILVA,
YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
Pode-se considerar que o alargamento da intervenção estatal no Brasil,
decorrente dos efeitos da crise do capitalismo de 1929, envolveu a área social e
favoreceu o surgimento de políticas sociais orientadas a reduzir os índices de
pobreza e desemprego. Diante disso, supõe-se que o Estado, foi um importante
agente para o desenvolvimento econômico, sendo responsável pela promoção do
bem-estar social e consolidação dos interesses sociais. No entanto, a atenção
ainda estava voltada para as questões vinculadas ao trabalho.
As políticas públicas introduzidas no Brasil a partir da década de 1930
destinaram-se a promover a regulação da desordem originada pelo novo processo de
desenvolvimento econômico e social do país e de legitimação política do governo.
A nova ordem mundial que surgia como resultado da crise capitalista, juntamente
com as necessidades de reprodução e qualificação da força de trabalho nacional,
objetivando promover a industrialização do país, desencadeou um novo contexto
nacional de desenvolvimento com ênfase no mercado de trabalho, definindo-o como
um elemento propulsor do crescimento e como prioridade do governo para o
progresso do país, por conta da sua importância na ampliação do consumo interno
(SILVA e YASZBEK, 2006).
O modelo de desenvolvimento econômico do Brasil, a partir das primeiras
tentativas de inserção dos indivíduos vulneráveis da sociedade numa teia de
proteção social contribuiu para o fortalecimento da concentração de renda e
exploração notável da força de trabalho, com isso, mesmo diante do notável
número de programas sociais e grande quantidade de recursos empregados, estes
programas possuíam caráter inerentemente compensatório, não contribuindo para a
melhoria das condições de pobreza. Além disso, se constituíam por ações
pulverizadas que não contribuía efetivamente para uma sólida atuação
governamental.
De acordo com Behring e Boschetti (2006), o período de introdução da política
social brasileira findou-se com a ratificação da necessidade de reconhecimento
das categorias de trabalhadores pelo Estado através da Constituição de 1937 e
ainda com a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, promulgada em 1943.
Estava então traçado o projeto legal da relação do Estado com os cidadãos.
Em 1945 foi introduzido no país um novo cenário de intensa agitação econômica,
política e social. Neste momento ocorreu o amadurecimento do movimento operário
que desencadeou numa extensa agenda de reinvidicações. Os novos direitos sociais
prescritos na nova Constituição promulgada em 1946 foram implementados no
contexto da política populista, o que auxiliou na sua efetivação. A partir deste
período até meados da década de 1960 ocorreram intensas lutas de classes e
fortes disputas de projetos, que eram apresentados pelos diversos segmentos da
sociedade civil ao Estado. Estes acontecimentos provocaram algumas modificações
no âmbito da política social no país. (BEHRING e BOSCHETTI, 2006)
Uma era de grandes transformações sociais foi anunciada a partir da década de
1960. Movimentos sociais eram cada vez mais aparentes e abrangentes, produzindo
relevante mobilização na sociedade. Estas mobilizações, porém não partiram
apenas das classes populares. O pensamento conservador da época se sobrepôs aos
apelos sociais e promoveu a instauração de uma ditadura militar. O surgimento
deste regime transformou por completo a conjuntura política e social do país,
antes favorável à ampliação dos movimentos sociais (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI,
2008).
O panorama político do Brasil, implantado na ditadura militar a partir de 1964,
trouxe grande retrocesso nos debates relacionados à questão social. A
impossibilidade de defender direitos sociais a partir de manifestações populares
devido à repressão governamental dificultou o acesso a melhorias na qualidade de
vida da população através das expressões coletivas de sentimento e opinião. As
iniciativas do Estado durante esse período refletiam o caráter conservador das
ações sociais.
O confronto entre os movimentos sociais populares e o governo militar, estava
baseado em reivindicações políticas e sociais. A população pretendia obter a
preservação de direitos adquiridos na legislação social ainda vigente e a
expansão dos serviços destinados à população, com o objetivo de universalizar o
seu acesso. Por outro lado, o governo orientava-se na busca de estabilidade
social e afirmação da nova ordem política do país.
O governo ditatorial centralizava os serviços e recursos das políticas sociais,
estabelecendo um esgotamento das ações e responsabilidades dos governos
regionais e locais, excluindo, portanto os Estados e municípios das decisões
relacionadas às essas políticas. A questão social era introduzida no regime
autocrático como ação estratégica de manutenção da estabilidade política e
social no país. Além disso, neste período inexistiam discussões acerca de
avaliação e monitoramento das políticas sociais e os mecanismos de controle
público foram suprimidos. (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
Na década de 1970, o modelo de desenvolvimento estabelecido pelo regime
apresentou os primeiros indícios de declínio. A partir do modelo de gestão
empreendido pelo governo autoritário, ressurgiram diante do novo cenário
econômico percebido no final da década de 1970, – fim do “milagre econômico
brasileiro” – os movimentos sociais de reivindicação por justiça social, após
décadas de desenvolvimento autoritário, excludente e concentrador (SILVA, 2001).
O agravamento das condições de vida da população e a consolidação da crise
fiscal durante a década de 1980 tornavam ainda mais debilitada a manutenção das
políticas sociais conduzidas pelo Estado, fazendo com que este recuasse em sua
política de investimentos sociais e em infra-estrutura, passando a adotar um
programa de controle rígido do orçamento público. Desenvolveu-se então um
caráter seletivo para as políticas sociais.
A emergência de novos e mais intensos movimentos na sociedade ampliou o debate
em torno da transição para a democracia. Uma nova ordem democrática surgiria com
a finalidade de atender às novas demandas sociais. Surge então um novo cenário
que mostra um avanço nas possibilidades de mudanças sociais. As propostas dos
movimentos sociais em relação às políticas públicas convergiam para superação do
caráter seletivo dos serviços públicos destinados à população. As expressões de
diversos grupos de interesse foram manifestadas e estes se mobilizavam com o
propósito de construir uma "democracia para todos", na qual os direitos sociais
exerceriam o papel fundamental no novo pacto do governo com a sociedade (SILVA,
2001).
Sobre os impulsos e recuos no plano das políticas sociais, pode-se caracterizar
o período da Nova República como o momento no qual se colocaram definitivamente
os desafios da universalização e descentralização dos serviços inerentes às
políticas sociais brasileiras. O primeiro, voltado ao acesso a todos os
indivíduos carentes de recursos assistenciais no campo dos programas
beneficiadores, e o segundo, visando pulverizar de forma seletiva e positiva as
ações governamentais vinculadas à proteção social (SILVA, 2001).
A diversidade de reivindicações apresentadas pelos vários movimentos sociais
atuantes no país ofereceu uma importante extensão à gestão e participação
política dos assuntos sociais. A Constituição de 1988 consolidou o processo de
ampliação dos direitos sociais e surgiu como resultado de uma sucessão
sistemática de mudanças relativas à redemocratização do país.
O conjunto das políticas sociais brasileiras de âmbito federal é
consideravelmente abrangente, porém ainda com qualidades e características
distintas e incompleto em vários aspectos. Nos últimos anos tem-se aprimorado em
termos do seu propósito, do número de beneficiários e da variedade de
benefícios, sob a afluência das novas determinações constitucionais. Tentando
resgatar parte da enorme dívida social brasileira, a Constituição Federal de
1988 ajudou a configurar novos princípios de justiça e solidariedade e colocou a
ação social do Estado em novo patamar, ampliando as garantias sociais básicas e
a proteção legal.
Houve então uma expansão da avaliação de políticas e programas sociais,
aumentando as críticas ao padrão de políticas desenvolvidas no país no que se
refere ao mau uso do dinheiro público e a falta de focalização dos programas em
relação aos mais necessitados. Nesse âmbito, foi incluída na avaliação dessas
políticas a exigência de uma maior racionalidade dos gastos públicos e dos
rendimentos das aplicações de recursos. Segundo Silva (2001), a partir dessa
perspectiva, foi desenvolvida a avaliação no sentido de verificar a utilização
eficiente dos recursos e medir o grau de eficácia com que os objetivos dos
programas estavam sendo atingidos.
Durante a década de 1990, o Brasil foi inserido no contexto da economia
globalizada. O governo, por sua vez, foi submetido aos interesses globais e a
lógica do mercado que emergia neste contexto, reduzindo sua atenção aos setores
internos poucos competitivos. Justificando suas ações na ideologia da
modernidade, o Estado reduziu ainda mais sua responsabilidade social.
Considerando a conjuntura brasileira recente, verifica que durante a década de
1990 foi dada prioridade ao ajuste da estabilidade econômica em detrimento da
agenda social do país. No entanto, em 1991 o debate acerca das questões sociais
colocou em prática o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), que antecedeu
os programas de transferência de renda vigentes no país atualmente.
A prevalência da política social no Brasil a partir de 2001 voltou-se para a
necessidade de reverter as prioridades, dando destaque ao problema da fome e da
pobreza, no entanto, mantendo uma política macroeconômica concentradora de
renda. (SILVA, 2001) Portanto, o redimensionamento que vem se dando às políticas
sociais a partir deste século XXI, amplia o debate e a atuação do governo,
implantando programas em todo o território brasileiro.
Diante do grande número de responsabilidades assumidas pelo poder público para
prover proteção para os cidadãos brasileiros, combater desigualdades sociais e
gerar oportunidades mais equitativas de inserção para os diferentes grupos,
pode-se acompanhar desde o início dos anos 1990 uma reorganização normativa e
institucional das políticas sociais, com diversificação e relativa ampliação dos
serviços públicos em diversas áreas.
A primeira discussão sobre a introdução de um programa de renda mínima no país
foi iniciada na década de 1970. Neste contexto, discutiu-se que a estrutura da
economia brasileira, não teria condições de suprir as necessidades de
sobrevivência de todos, pois não havia uma relação satisfatória entre
crescimento econômico e bem-estar social. Porém, essas discussões não
despertaram maior interesse, por não ser um momento propício para o debate.
Foram apresentadas propostas de complementação de renda baseada num nível mínimo
de renda. Estas propostas influenciaram a instituição de um Projeto de Lei
apresentado no Congresso em 1991, que instituía o Programa de Garantia de Renda
Mínima (PGRM) que vinculado ao Movimento Ética na Política, colocou na agenda
pública a temática da fome e da pobreza e articulou a educação com a
transferência monetária. (SILVA, YASZBEK & GIOVANNI 2008).
A concretização do debate sobre os Programas de Transferência de Renda no Brasil
se deu em 1995, com a implementação do Programa Bolsa-Escola em alguns
municípios do país. A partir deste momento, diversos programas foram criados com
o intuito de elevar o padrão de vida das famílias pobres ao nível de uma vida
digna. A partir disso, as transferências de renda tornaram-se mecanismos
eficazes na redução da pobreza e da desigualdade.
Rosana Queiroz Santos
Lessí Inês Farias Pinheiro
Lessí Inês Farias Pinheiro
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