domingo, 27 de janeiro de 2013

Política social no Brasil e os programas de transferência de renda

As políticas sociais e o estabelecimento de modelos de proteção social podem ser expressos como formas de enfrentamento às variadas manifestações resultantes das relações de exploração evidenciadas no sistema de produção capitalista e nas suas relações de exploração do capital sobre o trabalho.
A história das políticas sociais está atrelada ao contexto histórico da moderna sociedade capitalista e à consolidação dos Estados nacionais. O fortalecimento da nova ordem liberal e capitalista favoreceu o surgimento de recursos de combate a pobreza, causada pela instabilidade política e social. Nessa época surgiram novos atores sociais “que não eram mais servos submetidos às antigas relações senhoriais, mas indivíduos livres, cidadãos responsáveis por si e pelos rumos da sociedade” (CASTRO e RIBEIRO, 2008, p.20).
Com a consolidação do capitalismo industrial, se configurou um novo perfil da pessoa vulnerável, que antes era o mendigo ou o vagabundo e diante desta nova situação, passou a ser o desempregado, que depende do surgimento das oportunidades e é livre para buscar o seu sustento e de sua família. Porém, fica à mercê da exploração gerada pelas relações de trabalho. O posicionamento alcançado pelos indivíduos no mercado era que definia o acesso aos benefícios da política social.
Diante deste panorama e sucumbindo parcialmente às reivindicações da classe trabalhadora, o Estado passou a assumir algumas demandas desta classe. Com isso, o sistema de políticas sociais começou a ser financiado pela contribuição do trabalhador e do empregador (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). Pode-se dizer então, que em um primeiro momento, a política social estava atrelada ao mercado de trabalho e não era definida como um direito social, mas como uma tentativa de amenizar os efeitos negativos do capitalismo frente às necessidades do trabalhador. Portanto, o Estado não era definido como o principal provedor de recursos destinados a esfera social, mas sim coadjuvante do sistema que foi instituído, e visava apenas à superficial minimização dos efeitos nocivos das relações capitalistas.
A economia e a política brasileira foram fortemente abaladas pelos acontecimentos mundiais das três primeiras décadas do século XX, principalmente nos anos posteriores a 1930, quando se percebia as consequências da grande crise do capitalismo. Neste contexto foi introduzido no Brasil um sistema que pretendia atender as necessidades da população que se encontrava à margem da sociedade. Porém, esse sistema ainda enfatizava uma cidadania regulada nos moldes do mercado de trabalho que crescia vinculado ao intenso processo de industrialização. Tratou-se de um momento marcado por importantes transformações econômicas e sociais, pela transição de um modelo de desenvolvimento agro-exportador para um modelo de urbanização e difusão da produção em grande escala baseada na racionalização e divisão técnica do trabalho. Neste mesmo contexto, ocorreu um reordenamento das funções do Estado, que passa a assumir um maior controle sobre as relações econômicas e provisionar recursos diretamente aos setores sociais anteriormente negligenciados em suas decisões (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
Pode-se considerar que o alargamento da intervenção estatal no Brasil, decorrente dos efeitos da crise do capitalismo de 1929, envolveu a área social e favoreceu o surgimento de políticas sociais orientadas a reduzir os índices de pobreza e desemprego. Diante disso, supõe-se que o Estado, foi um importante agente para o desenvolvimento econômico, sendo responsável pela promoção do bem-estar social e consolidação dos interesses sociais. No entanto, a atenção ainda estava voltada para as questões vinculadas ao trabalho.
As políticas públicas introduzidas no Brasil a partir da década de 1930 destinaram-se a promover a regulação da desordem originada pelo novo processo de desenvolvimento econômico e social do país e de legitimação política do governo. A nova ordem mundial que surgia como resultado da crise capitalista, juntamente com as necessidades de reprodução e qualificação da força de trabalho nacional, objetivando promover a industrialização do país, desencadeou um novo contexto nacional de desenvolvimento com ênfase no mercado de trabalho, definindo-o como um elemento propulsor do crescimento e como prioridade do governo para o progresso do país, por conta da sua importância na ampliação do consumo interno (SILVA e YASZBEK, 2006).
O modelo de desenvolvimento econômico do Brasil, a partir das primeiras tentativas de inserção dos indivíduos vulneráveis da sociedade numa teia de proteção social contribuiu para o fortalecimento da concentração de renda e exploração notável da força de trabalho, com isso, mesmo diante do notável número de programas sociais e grande quantidade de recursos empregados, estes programas possuíam caráter inerentemente compensatório, não contribuindo para a melhoria das condições de pobreza. Além disso, se constituíam por ações pulverizadas que não contribuía efetivamente para uma sólida atuação governamental.
De acordo com Behring e Boschetti (2006), o período de introdução da política social brasileira findou-se com a ratificação da necessidade de reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado através da Constituição de 1937 e ainda com a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, promulgada em 1943. Estava então traçado o projeto legal da relação do Estado com os cidadãos.
Em 1945 foi introduzido no país um novo cenário de intensa agitação econômica, política e social. Neste momento ocorreu o amadurecimento do movimento operário que desencadeou numa extensa agenda de reinvidicações. Os novos direitos sociais prescritos na nova Constituição promulgada em 1946 foram implementados no contexto da política populista, o que auxiliou na sua efetivação. A partir deste período até meados da década de 1960 ocorreram intensas lutas de classes e fortes disputas de projetos, que eram apresentados pelos diversos segmentos da sociedade civil ao Estado. Estes acontecimentos provocaram algumas modificações no âmbito da política social no país. (BEHRING e BOSCHETTI, 2006)
Uma era de grandes transformações sociais foi anunciada a partir da década de 1960. Movimentos sociais eram cada vez mais aparentes e abrangentes, produzindo relevante mobilização na sociedade. Estas mobilizações, porém não partiram apenas das classes populares. O pensamento conservador da época se sobrepôs aos apelos sociais e promoveu a instauração de uma ditadura militar. O surgimento deste regime transformou por completo a conjuntura política e social do país, antes favorável à ampliação dos movimentos sociais (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
O panorama político do Brasil, implantado na ditadura militar a partir de 1964, trouxe grande retrocesso nos debates relacionados à questão social. A impossibilidade de defender direitos sociais a partir de manifestações populares devido à repressão governamental dificultou o acesso a melhorias na qualidade de vida da população através das expressões coletivas de sentimento e opinião. As iniciativas do Estado durante esse período refletiam o caráter conservador das ações sociais.
O confronto entre os movimentos sociais populares e o governo militar, estava baseado em reivindicações políticas e sociais. A população pretendia obter a preservação de direitos adquiridos na legislação social ainda vigente e a expansão dos serviços destinados à população, com o objetivo de universalizar o seu acesso. Por outro lado, o governo orientava-se na busca de estabilidade social e afirmação da nova ordem política do país.
O governo ditatorial centralizava os serviços e recursos das políticas sociais, estabelecendo um esgotamento das ações e responsabilidades dos governos regionais e locais, excluindo, portanto os Estados e municípios das decisões relacionadas às essas políticas. A questão social era introduzida no regime autocrático como ação estratégica de manutenção da estabilidade política e social no país. Além disso, neste período inexistiam discussões acerca de avaliação e monitoramento das políticas sociais e os mecanismos de controle público foram suprimidos. (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
Na década de 1970, o modelo de desenvolvimento estabelecido pelo regime apresentou os primeiros indícios de declínio. A partir do modelo de gestão empreendido pelo governo autoritário, ressurgiram diante do novo cenário econômico percebido no final da década de 1970, – fim do “milagre econômico brasileiro” – os movimentos sociais de reivindicação por justiça social, após décadas de desenvolvimento autoritário, excludente e concentrador (SILVA, 2001).
O agravamento das condições de vida da população e a consolidação da crise fiscal durante a década de 1980 tornavam ainda mais debilitada a manutenção das políticas sociais conduzidas pelo Estado, fazendo com que este recuasse em sua política de investimentos sociais e em infra-estrutura, passando a adotar um programa de controle rígido do orçamento público. Desenvolveu-se então um caráter seletivo para as políticas sociais.
A emergência de novos e mais intensos movimentos na sociedade ampliou o debate em torno da transição para a democracia. Uma nova ordem democrática surgiria com a finalidade de atender às novas demandas sociais. Surge então um novo cenário que mostra um avanço nas possibilidades de mudanças sociais. As propostas dos movimentos sociais em relação às políticas públicas convergiam para superação do caráter seletivo dos serviços públicos destinados à população. As expressões de diversos grupos de interesse foram manifestadas e estes se mobilizavam com o propósito de construir uma "democracia para todos", na qual os direitos sociais exerceriam o papel fundamental no novo pacto do governo com a sociedade (SILVA, 2001).
Sobre os impulsos e recuos no plano das políticas sociais, pode-se caracterizar o período da Nova República como o momento no qual se colocaram definitivamente os desafios da universalização e descentralização dos serviços inerentes às políticas sociais brasileiras. O primeiro, voltado ao acesso a todos os indivíduos carentes de recursos assistenciais no campo dos programas beneficiadores, e o segundo, visando pulverizar de forma seletiva e positiva as ações governamentais vinculadas à proteção social (SILVA, 2001).
A diversidade de reivindicações apresentadas pelos vários movimentos sociais atuantes no país ofereceu uma importante extensão à gestão e participação política dos assuntos sociais. A Constituição de 1988 consolidou o processo de ampliação dos direitos sociais e surgiu como resultado de uma sucessão sistemática de mudanças relativas à redemocratização do país.
O conjunto das políticas sociais brasileiras de âmbito federal é consideravelmente abrangente, porém ainda com qualidades e características distintas e incompleto em vários aspectos. Nos últimos anos tem-se aprimorado em termos do seu propósito, do número de beneficiários e da variedade de benefícios, sob a afluência das novas determinações constitucionais. Tentando resgatar parte da enorme dívida social brasileira, a Constituição Federal de 1988 ajudou a configurar novos princípios de justiça e solidariedade e colocou a ação social do Estado em novo patamar, ampliando as garantias sociais básicas e a proteção legal.
Houve então uma expansão da avaliação de políticas e programas sociais, aumentando as críticas ao padrão de políticas desenvolvidas no país no que se refere ao mau uso do dinheiro público e a falta de focalização dos programas em relação aos mais necessitados. Nesse âmbito, foi incluída na avaliação dessas políticas a exigência de uma maior racionalidade dos gastos públicos e dos rendimentos das aplicações de recursos. Segundo Silva (2001), a partir dessa perspectiva, foi desenvolvida a avaliação no sentido de verificar a utilização eficiente dos recursos e medir o grau de eficácia com que os objetivos dos programas estavam sendo atingidos.
Durante a década de 1990, o Brasil foi inserido no contexto da economia globalizada. O governo, por sua vez, foi submetido aos interesses globais e a lógica do mercado que emergia neste contexto, reduzindo sua atenção aos setores internos poucos competitivos. Justificando suas ações na ideologia da modernidade, o Estado reduziu ainda mais sua responsabilidade social. Considerando a conjuntura brasileira recente, verifica que durante a década de 1990 foi dada prioridade ao ajuste da estabilidade econômica em detrimento da agenda social do país. No entanto, em 1991 o debate acerca das questões sociais colocou em prática o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), que antecedeu os programas de transferência de renda vigentes no país atualmente.
A prevalência da política social no Brasil a partir de 2001 voltou-se para a necessidade de reverter as prioridades, dando destaque ao problema da fome e da pobreza, no entanto, mantendo uma política macroeconômica concentradora de renda. (SILVA, 2001) Portanto, o redimensionamento que vem se dando às políticas sociais a partir deste século XXI, amplia o debate e a atuação do governo, implantando programas em todo o território brasileiro.
Diante do grande número de responsabilidades assumidas pelo poder público para prover proteção para os cidadãos brasileiros, combater desigualdades sociais e gerar oportunidades mais equitativas de inserção para os diferentes grupos, pode-se acompanhar desde o início dos anos 1990 uma reorganização normativa e institucional das políticas sociais, com diversificação e relativa ampliação dos serviços públicos em diversas áreas.
A primeira discussão sobre a introdução de um programa de renda mínima no país foi iniciada na década de 1970. Neste contexto, discutiu-se que a estrutura da economia brasileira, não teria condições de suprir as necessidades de sobrevivência de todos, pois não havia uma relação satisfatória entre crescimento econômico e bem-estar social. Porém, essas discussões não despertaram maior interesse, por não ser um momento propício para o debate.
Foram apresentadas propostas de complementação de renda baseada num nível mínimo de renda. Estas propostas influenciaram a instituição de um Projeto de Lei apresentado no Congresso em 1991, que instituía o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM) que vinculado ao Movimento Ética na Política, colocou na agenda pública a temática da fome e da pobreza e articulou a educação com a transferência monetária. (SILVA, YASZBEK & GIOVANNI 2008).
A concretização do debate sobre os Programas de Transferência de Renda no Brasil se deu em 1995, com a implementação do Programa Bolsa-Escola em alguns municípios do país. A partir deste momento, diversos programas foram criados com o intuito de elevar o padrão de vida das famílias pobres ao nível de uma vida digna. A partir disso, as transferências de renda tornaram-se mecanismos eficazes na redução da pobreza e da desigualdade.


 Rosana Queiroz Santos
 Lessí Inês Farias Pinheiro

Nenhum comentário:

Postar um comentário