terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O enfrentamento à pobreza nos anos recentes

Como sabemos, com a Constituição de 1988 são colocadas novas bases para o atual Sistema de Proteção Social brasileiro com a definição da Seguridade Social e o reconhecimento de direitos sociais das classes subalternizadas em nossa sociedade.
Em seu artigo 194, a Constituição define a Seguridade Social como um "conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social".
 A noção de Seguridade que emerge na Constituição brasileira apresenta-a como um sistema de cobertura de diferentes contingências sociais que podem alcançar a população em seu ciclo de vida, sua trajetória laboral e em situações de renda insuficiente. Trata-se de uma cobertura social que não depende do custeio individual direto. São objetivos da Seguridade Social:
a universalidade de cobertura e de atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e dos serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados. (Parágrafo Único do artigo 194 da Constituição Federal)
Alguns aspectos devem ser destacados entre as inovações constitucionais em relação ao sistema protetivo brasileiro: a centralidade da responsabilidade do Estado na regulação, normatização, proposição e implementação das políticas públicas no âmbito da proteção social e a proposta de descentralização e participação da sociedade no controle das políticas sociais. A perspectiva de articular e integrar políticas também emerge nesse contexto. Para estudo do Ipea a Constituição de 1988 redesenha "de forma radical o sistema brasileiro de proteção social, afastando-o do modelo meritocrático-conservador e aproximando-o do modelo redistributivista, voltado para a proteção de toda a sociedade, dos riscos impostos pela economia de mercado".
É necessário, porém, ressaltar o fato de que a Constituição brasileira é promulgada em uma conjuntura dramática, dominada pelo crescimento da pobreza e da desigualdade social no país, que vê ampliar sua situação de endividamento (que cresce 61% nos anos 1980), e que se insere em um momento histórico de ruptura do "pacto keynesiano", que vai permitir grande liberdade aos processos de reestruturação produtiva. A pressão do Consenso de Washington, com sua proposição de que é preciso limitar a intervenção do Estado e realizar as reformas neoliberais, a presença dos organismos de Washington (FMI, Banco Mundial) responsáveis por estabelecer as estratégias para o enfrentamento da crise por parte dos países periféricos, e a redução da autonomia nacional, ao lado da adoção de medidas econômicas e do ajuste fiscal são características desse contexto, que, no campo da proteção social, vai se enfrentar com o crescimento dos índices de desemprego, pobreza e indigência.
Ou seja, é na "contramão" das transformações que ocorrem na ordem econômica internacional, tensionado pela consolidação do modelo neoliberal, pelas estratégias de mundialização e financeirização do capital, com a sua direção privatizadora e focalizadora das políticas sociais, enfrentando a "rear­ticulação do bloco conservador" com a eleição de Fernando Collor que busca de diversas formas obstruir a realização dos novos direitos constitucionais (cf. Ipea, 2009) que devemos situar o início do processo de construção da Seguridade Social brasileira. E, como não poderia deixar de ser, a emergente proposta de Seguridade Social não se consolida e mostra-se incapaz de, naquele momento, realizar suas promessas.
É sempre oportuno lembrar que, nos anos 1990 a somatória de extorsões que configurou um novo perfil para a questão social brasileira, particularmente pela via da vulnerabilização do trabalho, conviveu com a erosão do sistema público de proteção social, caracterizada por uma perspectiva de retração dos investimentos públicos no campo social, seu reordenamento e pela crescente subordinação das políticas sociais às políticas de ajuste da economia, com suas restrições aos gastos públicos e sua perspectiva privatizadora (cf. Yazbek, 2004).
É nesse contexto que tem início a construção de uma nova concepção para a Assistência Social brasileira, que é regulamentada em 1993, como política social pública, e inicia seu trânsito para um campo novo: o dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a Constituição e a Lei Orgânica da Assistência Social — Loas estabelecem uma nova matriz para a Assistência Social no país, iniciando um processo que tem como perspectiva torná-la visível como política pública e direito dos que dela necessitarem. A inserção na Seguridade aponta também para seu caráter de política de proteção social, voltada para o enfrentamento da pobreza e articulada a outras políticas do campo social voltadas para a garantia de direitos e de condições dignas de vida.
Inovação é afirmar para a assistência social seu caráter de direito não contributivo, (independentemente de contribuição à Seguridade e para além dos interesses do mercado), ao apontar a necessária integração entre o econômico e o social e ao apresentar novo desenho institucional para a assistência social. Inova também ao propor a participação da população e o exercício do controle da sociedade na gestão e execução das políticas de assistência social. Tendência ambígua, de inspiração neoliberal, mas que contraditoriamente pode direcionar-se para os interesses de seus usuários. Sem dúvida, mudanças substantivas na concepção da assistência social, um avanço que permite sua passagem do assistencialismo e de sua tradição de não política para o campo da política pública.
Como política de Estado, passa a ser um espaço para a defesa e atenção dos interesses e necessidades sociais dos segmentos mais empobrecidos da sociedade, configurando-se também como estratégia fundamental no combate à pobreza, à discriminação e à subalternidade econômica, cultural e política em que vive grande parte da população brasileira. Assim, cabem à assistência social ações de prevenção e provimento de um conjunto de garantias ou seguranças (Sposati, 1995). Essas garantias se efetivam pela construção do que Mishra denomina de "rede de segurança da rede de Segurança", ou seja, um conjunto de programas, projetos, serviços e benefícios voltados para a proteção social e para o atendimento de necessidades da população usuária dessa política.
Em geral caracterizada por sua heterogeneidade, essa rede de segurança (constituída pelos órgãos governamentais e por entidades da sociedade civil) opera serviços voltados ao atendimento de um vastíssimo conjunto de necessidades particularmente dos segmentos mais pobres da sociedade.
Dessa forma a assistência social como campo de efetivação de direitos emerge como política estratégica, não contributiva, voltada para o enfrentamento da pobreza e para à construção e o provimento de mínimos sociais de inclusão e para a universalização de direitos, buscando romper com a tradição clientelista e assistencialista que historicamente permeia a área onde sempre foi vista como prática secundária, em geral adstrita às atividades do plantão social, de atenções em emergências e distribuição de auxílios financeiros.
Cabe, no entanto, observar que se a Constituição Federal cria uma nova arquitetura institucional e ético/política para a proteção social brasileira, par­ticularmente para a política de assistência social, pois esta é também objeto de esvaziamentos e desqualificações em seu processo de implantação pós-constitucional no país, contexto em que ocorre a despolitização e a refilantropização do enfrentamento da questão social brasileira.
A busca da estabilização da economia e do equilíbrio orçamentário e fiscal a partir do Plano Real leva, no período dos governos de FHC (1995-98 e 1999-2002) a resultados pouco favoráveis para a proteção social na esfera pública estatal. O ambiente é de desacertos e tensões entre a adequação ao ambiente neoliberal e as reformas sociais exigidas constitucionalmente.
Conforme Fagnani (1999), a política econômica adotada não favoreceu o sucesso das políticas sociais. O autor cita como exemplo a política de emprego (insuficiente para reverter o quadro produzido pela política econômica) e o problema da Previdência Social (que viu sua base de financiamento erodir com o aumento da precarização e informalização da ocupação). No que se refere às políticas de saúde, educação e assistência social, Fagnani (1999, p. 166) aponta avanços no processo de descentralização, mas ressalta que "ao mesmo tempo em que estados e municípios são induzidos a aceitarem novas responsabilidades administrativas e financeiras na gestão das políticas sociais, a política econômica desorganiza as finanças destas instâncias [...]".
É importante assinalar que essas ações emergem no país em um contexto de profundas transformações societárias, que interferem na "questão social" e trazem na raiz dessas modificações a indagação sobre a compatibilidade (ou não) entre direitos, políticas sociais e as relações que se estabelecem entre Estado, sociedade e mercado nos novos marcos da acumulação capitalista. Contexto no qual a articulação: trabalho, direitos e proteção social pública sofre os impactos das transformações estruturais do capitalismo, que atingem duramente o trabalho assalariado e as relações de trabalho, levando à redefinição dos sistemas de proteção social e da política social em geral.
Apesar de eleger como prioridade absoluta o ajuste e a estabilidade econômica e dar pouca atenção à agenda social, a partir de 2001 o governo FHC tenta reverter esse quadro ao criar por meio, de um contrato com o BID, a "rede de proteção social". Esta "rede" introduziu no campo social de forma seletiva um conjunto de ações setoriais voltadas para os segmentos mais vulneráveis da população. Essas ações conjugavam serviços sociais e transferências monetárias, com destaque para a expansão do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil — Peti, criado em 1996, para o Programa Nacional de Renda Mínima vinculado à Educação — Bolsa-Escola, o Programa Bolsa Alimentação, o Agente Jovem e um pouco mais tarde o Auxílio Gás (2002).
Esse conjunto de programas federais, devido à sua abrangência e tamanho, permitiu o crescimento da relevância das propostas de transferências monetárias no âmbito da política social. Conforme estudo de Silva, Yazbek e Giovanni (2011), com a ampliação dos programas federais, os programas de iniciativa municipal e estadual aos poucos vão sofrendo alterações seguintes aspectos:
[...] desativação de programas já em implementação, principalmente em municípios que apresentam menores orçamentos. Nesses municípios, os programas vêm sendo substituídos pelo programa federal, bem como parece vir ocorrendo uma desaceleração de iniciativas para criação de novos programas, tanto por parte de Estados como de municípios, considerando que já implantaram programas similares federais; existência paralela de programas municipais, estaduais e federais, adotando benefícios com valores diferenciados; articulação do programa Bolsa-Escola federal com similares municipais, mais especificamente, no caso de municípios que têm orçamentos mais elevados, como São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte, com complementação do valor do benefício dos programas federais com recursos do município, entre outros. (Silva, Yazbek e Giovanni, 2011, p. 157)
Com o governo Lula (2003-06) a questão social, e particularmente o enfrentamento da pobreza, passa a ser alvo de novas abordagens. O combate à fome e à miséria, expresso no início do primeiro governo Lula pelo emblemático Programa Fome Zero, cujo "Cartão Alimentação" teve seu lançamento simbólico no dia 3 de fevereiro de 2003 nos municípios de Acauã e Guaribas no Piauí, com a distribuição de cartões para quinhentas famílias.
Ainda em 2003 o "Cartão Alimentação" foi unificado ao Programa Bolsa Família, o que significou um importante passo na busca de articulação do sistema protetivo no país. O Programa Bolsa Família (20/10/2003) resultou da unificação de quatro programas federais: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Vale Gás e Cartão Alimentação. Apresentou como objetivos:
a)  Combater a fome, a pobreza e as desigualdades por meio da transferência de um benefício financeiro associado à garantia do acesso aos direitos sociais básicos — saúde, educação, assistência social e segurança alimentar.
b)  Promover a inclusão social, contribuindo para a emancipação das famílias beneficiárias, construindo meios e condições para que elas possam sair da situação de vulnerabilidade em que se encontram (Brasil/MDS, 2006).
Assim sendo, a unificação dos programas de transferência de renda situa-se no âmbito da prioridade de combate à fome e à pobreza, representando uma perspectiva de articulação entre níveis de governo e de políticas sociais.
Da mesma forma, a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2004 que unificou a política de combate à fome com as políticas de transferência de renda e de assistência social, foi um passo significativo na direção de articular um conjunto de iniciativas na perspectiva do enfrentamento à pobreza no país.




Maria Carmelita Yazbek

Mestrado e doutorado em Serviço Social, docente e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil; pesquisadora 1A do CNPq.
 

domingo, 27 de janeiro de 2013

Política social no Brasil e os programas de transferência de renda

As políticas sociais e o estabelecimento de modelos de proteção social podem ser expressos como formas de enfrentamento às variadas manifestações resultantes das relações de exploração evidenciadas no sistema de produção capitalista e nas suas relações de exploração do capital sobre o trabalho.
A história das políticas sociais está atrelada ao contexto histórico da moderna sociedade capitalista e à consolidação dos Estados nacionais. O fortalecimento da nova ordem liberal e capitalista favoreceu o surgimento de recursos de combate a pobreza, causada pela instabilidade política e social. Nessa época surgiram novos atores sociais “que não eram mais servos submetidos às antigas relações senhoriais, mas indivíduos livres, cidadãos responsáveis por si e pelos rumos da sociedade” (CASTRO e RIBEIRO, 2008, p.20).
Com a consolidação do capitalismo industrial, se configurou um novo perfil da pessoa vulnerável, que antes era o mendigo ou o vagabundo e diante desta nova situação, passou a ser o desempregado, que depende do surgimento das oportunidades e é livre para buscar o seu sustento e de sua família. Porém, fica à mercê da exploração gerada pelas relações de trabalho. O posicionamento alcançado pelos indivíduos no mercado era que definia o acesso aos benefícios da política social.
Diante deste panorama e sucumbindo parcialmente às reivindicações da classe trabalhadora, o Estado passou a assumir algumas demandas desta classe. Com isso, o sistema de políticas sociais começou a ser financiado pela contribuição do trabalhador e do empregador (BEHRING e BOSCHETTI, 2006). Pode-se dizer então, que em um primeiro momento, a política social estava atrelada ao mercado de trabalho e não era definida como um direito social, mas como uma tentativa de amenizar os efeitos negativos do capitalismo frente às necessidades do trabalhador. Portanto, o Estado não era definido como o principal provedor de recursos destinados a esfera social, mas sim coadjuvante do sistema que foi instituído, e visava apenas à superficial minimização dos efeitos nocivos das relações capitalistas.
A economia e a política brasileira foram fortemente abaladas pelos acontecimentos mundiais das três primeiras décadas do século XX, principalmente nos anos posteriores a 1930, quando se percebia as consequências da grande crise do capitalismo. Neste contexto foi introduzido no Brasil um sistema que pretendia atender as necessidades da população que se encontrava à margem da sociedade. Porém, esse sistema ainda enfatizava uma cidadania regulada nos moldes do mercado de trabalho que crescia vinculado ao intenso processo de industrialização. Tratou-se de um momento marcado por importantes transformações econômicas e sociais, pela transição de um modelo de desenvolvimento agro-exportador para um modelo de urbanização e difusão da produção em grande escala baseada na racionalização e divisão técnica do trabalho. Neste mesmo contexto, ocorreu um reordenamento das funções do Estado, que passa a assumir um maior controle sobre as relações econômicas e provisionar recursos diretamente aos setores sociais anteriormente negligenciados em suas decisões (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
Pode-se considerar que o alargamento da intervenção estatal no Brasil, decorrente dos efeitos da crise do capitalismo de 1929, envolveu a área social e favoreceu o surgimento de políticas sociais orientadas a reduzir os índices de pobreza e desemprego. Diante disso, supõe-se que o Estado, foi um importante agente para o desenvolvimento econômico, sendo responsável pela promoção do bem-estar social e consolidação dos interesses sociais. No entanto, a atenção ainda estava voltada para as questões vinculadas ao trabalho.
As políticas públicas introduzidas no Brasil a partir da década de 1930 destinaram-se a promover a regulação da desordem originada pelo novo processo de desenvolvimento econômico e social do país e de legitimação política do governo. A nova ordem mundial que surgia como resultado da crise capitalista, juntamente com as necessidades de reprodução e qualificação da força de trabalho nacional, objetivando promover a industrialização do país, desencadeou um novo contexto nacional de desenvolvimento com ênfase no mercado de trabalho, definindo-o como um elemento propulsor do crescimento e como prioridade do governo para o progresso do país, por conta da sua importância na ampliação do consumo interno (SILVA e YASZBEK, 2006).
O modelo de desenvolvimento econômico do Brasil, a partir das primeiras tentativas de inserção dos indivíduos vulneráveis da sociedade numa teia de proteção social contribuiu para o fortalecimento da concentração de renda e exploração notável da força de trabalho, com isso, mesmo diante do notável número de programas sociais e grande quantidade de recursos empregados, estes programas possuíam caráter inerentemente compensatório, não contribuindo para a melhoria das condições de pobreza. Além disso, se constituíam por ações pulverizadas que não contribuía efetivamente para uma sólida atuação governamental.
De acordo com Behring e Boschetti (2006), o período de introdução da política social brasileira findou-se com a ratificação da necessidade de reconhecimento das categorias de trabalhadores pelo Estado através da Constituição de 1937 e ainda com a Consolidação das Leis Trabalhistas, a CLT, promulgada em 1943. Estava então traçado o projeto legal da relação do Estado com os cidadãos.
Em 1945 foi introduzido no país um novo cenário de intensa agitação econômica, política e social. Neste momento ocorreu o amadurecimento do movimento operário que desencadeou numa extensa agenda de reinvidicações. Os novos direitos sociais prescritos na nova Constituição promulgada em 1946 foram implementados no contexto da política populista, o que auxiliou na sua efetivação. A partir deste período até meados da década de 1960 ocorreram intensas lutas de classes e fortes disputas de projetos, que eram apresentados pelos diversos segmentos da sociedade civil ao Estado. Estes acontecimentos provocaram algumas modificações no âmbito da política social no país. (BEHRING e BOSCHETTI, 2006)
Uma era de grandes transformações sociais foi anunciada a partir da década de 1960. Movimentos sociais eram cada vez mais aparentes e abrangentes, produzindo relevante mobilização na sociedade. Estas mobilizações, porém não partiram apenas das classes populares. O pensamento conservador da época se sobrepôs aos apelos sociais e promoveu a instauração de uma ditadura militar. O surgimento deste regime transformou por completo a conjuntura política e social do país, antes favorável à ampliação dos movimentos sociais (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
O panorama político do Brasil, implantado na ditadura militar a partir de 1964, trouxe grande retrocesso nos debates relacionados à questão social. A impossibilidade de defender direitos sociais a partir de manifestações populares devido à repressão governamental dificultou o acesso a melhorias na qualidade de vida da população através das expressões coletivas de sentimento e opinião. As iniciativas do Estado durante esse período refletiam o caráter conservador das ações sociais.
O confronto entre os movimentos sociais populares e o governo militar, estava baseado em reivindicações políticas e sociais. A população pretendia obter a preservação de direitos adquiridos na legislação social ainda vigente e a expansão dos serviços destinados à população, com o objetivo de universalizar o seu acesso. Por outro lado, o governo orientava-se na busca de estabilidade social e afirmação da nova ordem política do país.
O governo ditatorial centralizava os serviços e recursos das políticas sociais, estabelecendo um esgotamento das ações e responsabilidades dos governos regionais e locais, excluindo, portanto os Estados e municípios das decisões relacionadas às essas políticas. A questão social era introduzida no regime autocrático como ação estratégica de manutenção da estabilidade política e social no país. Além disso, neste período inexistiam discussões acerca de avaliação e monitoramento das políticas sociais e os mecanismos de controle público foram suprimidos. (SILVA, YASZBEK e GIOVANNI, 2008).
Na década de 1970, o modelo de desenvolvimento estabelecido pelo regime apresentou os primeiros indícios de declínio. A partir do modelo de gestão empreendido pelo governo autoritário, ressurgiram diante do novo cenário econômico percebido no final da década de 1970, – fim do “milagre econômico brasileiro” – os movimentos sociais de reivindicação por justiça social, após décadas de desenvolvimento autoritário, excludente e concentrador (SILVA, 2001).
O agravamento das condições de vida da população e a consolidação da crise fiscal durante a década de 1980 tornavam ainda mais debilitada a manutenção das políticas sociais conduzidas pelo Estado, fazendo com que este recuasse em sua política de investimentos sociais e em infra-estrutura, passando a adotar um programa de controle rígido do orçamento público. Desenvolveu-se então um caráter seletivo para as políticas sociais.
A emergência de novos e mais intensos movimentos na sociedade ampliou o debate em torno da transição para a democracia. Uma nova ordem democrática surgiria com a finalidade de atender às novas demandas sociais. Surge então um novo cenário que mostra um avanço nas possibilidades de mudanças sociais. As propostas dos movimentos sociais em relação às políticas públicas convergiam para superação do caráter seletivo dos serviços públicos destinados à população. As expressões de diversos grupos de interesse foram manifestadas e estes se mobilizavam com o propósito de construir uma "democracia para todos", na qual os direitos sociais exerceriam o papel fundamental no novo pacto do governo com a sociedade (SILVA, 2001).
Sobre os impulsos e recuos no plano das políticas sociais, pode-se caracterizar o período da Nova República como o momento no qual se colocaram definitivamente os desafios da universalização e descentralização dos serviços inerentes às políticas sociais brasileiras. O primeiro, voltado ao acesso a todos os indivíduos carentes de recursos assistenciais no campo dos programas beneficiadores, e o segundo, visando pulverizar de forma seletiva e positiva as ações governamentais vinculadas à proteção social (SILVA, 2001).
A diversidade de reivindicações apresentadas pelos vários movimentos sociais atuantes no país ofereceu uma importante extensão à gestão e participação política dos assuntos sociais. A Constituição de 1988 consolidou o processo de ampliação dos direitos sociais e surgiu como resultado de uma sucessão sistemática de mudanças relativas à redemocratização do país.
O conjunto das políticas sociais brasileiras de âmbito federal é consideravelmente abrangente, porém ainda com qualidades e características distintas e incompleto em vários aspectos. Nos últimos anos tem-se aprimorado em termos do seu propósito, do número de beneficiários e da variedade de benefícios, sob a afluência das novas determinações constitucionais. Tentando resgatar parte da enorme dívida social brasileira, a Constituição Federal de 1988 ajudou a configurar novos princípios de justiça e solidariedade e colocou a ação social do Estado em novo patamar, ampliando as garantias sociais básicas e a proteção legal.
Houve então uma expansão da avaliação de políticas e programas sociais, aumentando as críticas ao padrão de políticas desenvolvidas no país no que se refere ao mau uso do dinheiro público e a falta de focalização dos programas em relação aos mais necessitados. Nesse âmbito, foi incluída na avaliação dessas políticas a exigência de uma maior racionalidade dos gastos públicos e dos rendimentos das aplicações de recursos. Segundo Silva (2001), a partir dessa perspectiva, foi desenvolvida a avaliação no sentido de verificar a utilização eficiente dos recursos e medir o grau de eficácia com que os objetivos dos programas estavam sendo atingidos.
Durante a década de 1990, o Brasil foi inserido no contexto da economia globalizada. O governo, por sua vez, foi submetido aos interesses globais e a lógica do mercado que emergia neste contexto, reduzindo sua atenção aos setores internos poucos competitivos. Justificando suas ações na ideologia da modernidade, o Estado reduziu ainda mais sua responsabilidade social. Considerando a conjuntura brasileira recente, verifica que durante a década de 1990 foi dada prioridade ao ajuste da estabilidade econômica em detrimento da agenda social do país. No entanto, em 1991 o debate acerca das questões sociais colocou em prática o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM), que antecedeu os programas de transferência de renda vigentes no país atualmente.
A prevalência da política social no Brasil a partir de 2001 voltou-se para a necessidade de reverter as prioridades, dando destaque ao problema da fome e da pobreza, no entanto, mantendo uma política macroeconômica concentradora de renda. (SILVA, 2001) Portanto, o redimensionamento que vem se dando às políticas sociais a partir deste século XXI, amplia o debate e a atuação do governo, implantando programas em todo o território brasileiro.
Diante do grande número de responsabilidades assumidas pelo poder público para prover proteção para os cidadãos brasileiros, combater desigualdades sociais e gerar oportunidades mais equitativas de inserção para os diferentes grupos, pode-se acompanhar desde o início dos anos 1990 uma reorganização normativa e institucional das políticas sociais, com diversificação e relativa ampliação dos serviços públicos em diversas áreas.
A primeira discussão sobre a introdução de um programa de renda mínima no país foi iniciada na década de 1970. Neste contexto, discutiu-se que a estrutura da economia brasileira, não teria condições de suprir as necessidades de sobrevivência de todos, pois não havia uma relação satisfatória entre crescimento econômico e bem-estar social. Porém, essas discussões não despertaram maior interesse, por não ser um momento propício para o debate.
Foram apresentadas propostas de complementação de renda baseada num nível mínimo de renda. Estas propostas influenciaram a instituição de um Projeto de Lei apresentado no Congresso em 1991, que instituía o Programa de Garantia de Renda Mínima (PGRM) que vinculado ao Movimento Ética na Política, colocou na agenda pública a temática da fome e da pobreza e articulou a educação com a transferência monetária. (SILVA, YASZBEK & GIOVANNI 2008).
A concretização do debate sobre os Programas de Transferência de Renda no Brasil se deu em 1995, com a implementação do Programa Bolsa-Escola em alguns municípios do país. A partir deste momento, diversos programas foram criados com o intuito de elevar o padrão de vida das famílias pobres ao nível de uma vida digna. A partir disso, as transferências de renda tornaram-se mecanismos eficazes na redução da pobreza e da desigualdade.


 Rosana Queiroz Santos
 Lessí Inês Farias Pinheiro