Lessa afirma que este
debate surgiu nas discussões acerca da formulação das novas diretrizes
curriculares dos cursos de graduação, representando um avanço teórico para a
categoria profissional, um amadurecimento e uma mudança na relação desta com as
Ciências Humanas. O Serviço Social teria desta forma saído da relação de
subalternidade histórica travada com as Ciências Humanas. (LESSA, 2000, P. 37)
A reflexão acerca do
Serviço Social e a categoria trabalho não deve restringir-se, segundo o autor,
ao aspecto instrumental, mas deve remeter-se, dentre outros aspectos, à análise
dos fundamentos filosóficos e ideológicos presentes neste debate.
O autor alega fundamentar
sua concepção de trabalho nas formulações de Karl Marx, para quem o trabalho é
a categoria fundante do mundo dos homens, sendo a partir dele possível aos
homens construírem a sua própria história. O trabalho constitui-se na categoria
fundante em virtude de ser
[...]
na relação com a totalidade social, [...] o local por excelência da produção
das necessidades por novas relações sociais (categorias e complexos) que
marcarão o desenvolvimento histórico do gênero humano." (LESSA, 2000, p.
49).
Desta maneira, o trabalho
modifica também a própria natureza [social] do homem e conseqüentemente a
sociedade. No final do processo de trabalho o homem já não é mais o mesmo,
adquiriu "[...] novas habilidades e conhecimentos e, portanto, também
[...] novas necessidades [...]." (LESSA, 2000, p. 51)
O trabalho tem uma função
social particular e específica na relação com a totalidade social, que é de
transformar a natureza em bens materiais necessários a reprodução social
"[...] o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza, um processo em
que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com
a Natureza [...]." (MARX apud LESSA, 2005, p. 2)
No modo de produção
capitalista maduro, em que a grande industria já se desenvolveu e aparece como
a premissa de toda produção, alterou-se também a base sobre a qual vinha se
desenvolvendo até então a produção. Não se trata mais agora do trabalho
executado pelo artesão ou mesmo pelo operário isolado, mas do trabalho
realizado por um organismo criado pelo capital, o trabalhador coletivo.
O conceito desenvolvido
acerca do trabalho coletivo por Lessa também tem por base o exposto por Marx,
[...]
de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se encontram mais perto ou
mais longe da manipulação do objeto de trabalho. Com o caráter cooperativo do
próprio processo de trabalho amplia-se (erweiter
sich), portanto, necessariamente o conceito de trabalho produtivo e de seu
portador, do trabalhador produtivo. Para trabalhar produtivamente, já não é
necessário, agora pôr pessoalmente a mão na obra; basta ser órgão do
trabalhador coletivo, executando qualquer uma de suas subfunções. (MARX apud
LESSA, 2005, p. 12).
Fica evidente nesta
passagem a ampliação do conceito de trabalho. Agora não é o trabalhador
considerado individualmente que realiza a transformação da natureza, mas o
trabalhador coletivo, que no seu conjunto produz os meios materiais necessários
à reprodução social.
Entretanto, Lessa chama a
atenção para a presença de uma distinção dentro do trabalhador coletivo,
segundo a qual nem todos realizam a transformação da natureza, sendo assim, nem
todos fariam parte do trabalhador coletivo. Ou seja, só constituem o
trabalhador coletivo, aqueles trabalhadores produtivos que transformam a
natureza. (LESSA, 2005).
Aponta ainda, uma diferença existente dentro do trabalhador coletivo, este
englobaria tanto o trabalho - entendido aqui enquanto transformação da natureza
- quanto outras atividades que somente produzem mais-valia, ou seja, que são
improdutivas.
É importante salientarmos
aqui, que Lessa admite haver produção de mais-valia oriunda de atividades que
ele não considera trabalho.
Considerando
[...] a produção de mais-valia, a relação entre o professor e o capitalista é
exatamente a mesma que se desdobra entre o capitalista e o proletário. As
forças de trabalho do professor e do proletário são compradas pelos seus
respectivos valores, o tempo de trabalho socialmente necessário para reproduzir
cada uma delas. [...] Ambas as forças de trabalho, portanto, foram compradas
pelo seu valor de uso específico: é a única mercadoria que, uma vez consumida,
gera maior valor que o seu próprio. A forma de exploração (se não a intensidade
da exploração) é exatamente a mesma: a extração da mais-valia. Os lucros do
dono da ‘fábrica de saber’e do dono da ‘fábrica de salsichas’ têm suas origens
na mesma relação social, qual seja, a relação capital/trabalho produtivo. Tal
como o proletário, portanto, o mestre-escola também produz mais-valia. [...]
Enquanto o proletário trabalha sobre uma matéria da qual está ausente a
consciência, a ação do professor visa primordialmente a consciência do aluno.
[...] isto faz com que a própria práxis dos professores seja ontologicamente
distinta da práxis proletária não apenas no seu conteúdo, não apenas na sua
função social, mas até mesmo na sua forma imediata [...].(LESSA, 2005, p. 22).
Percebemos uma
contradição no pensamento desse autor, já que admite a existência da produção
da mais-valia por atividades assalariadas que no seu entendimento não são
trabalho, justificando esta afirmação exatamente na origem da mais-valia, ou
seja, uma teria sido produzida, enquanto a outra só valorizou capital, não
acrescentando nenhum valor à riqueza social.
Há,
portanto, duas conseqüências possíveis da geração da mais-valia. Quando a
mais-valia é produzida pela conversão da natureza no ‘conteúdo material da riqueza’,
a riqueza social total é acrescida pelo tempo de trabalho que o proletário
plasmou na nova mercadoria. Todavia, quando a mais-valia é produzida fora da
relação com a natureza, o que temos é um processo em que um dado montante de
riqueza social já produzida pelo proletário, [...] é transferido para o
dono da escola, em seguida, parte é transferido ao professor sob a forma de
salário.
(LESSA, 2005, p. 22).
No nosso entendimento, o
autor, ao fragmentar o trabalho coletivo - entre aqueles que manipulam a
natureza e aqueles que não, distorce de forma decisiva o pensamento de Marx,
segundo o qual o trabalhador não deve ser analisado individualmente quanto à
transformação da natureza, mas sim na coletividade. Ou seja,
A
determinação original [...] de trabalho produtivo, derivada da própria natureza
da produção material, permanece sempre verdadeira para o trabalhador coletivo,
considerado como coletividade. Mas ela já não é válida para cada um de seus
membros, tomados isoladamente. (Marx, 1985c, p.105)
Mas o centro da posição de
Lessa consiste na negação do Serviço Social ser trabalho. Para fundamentar a
sua tese ele afirmará que como o trabalho é um processo exclusivo entre homem e
a natureza, o objeto de trabalho só pode ser a própria natureza, em seu estado
bruto, ou transformada
em matéria-prima. E os meios de trabalho, são elementos
da natureza que o homem emprega na transformação da natureza, são "[...]
as propriedades mecânicas, físicas, químicas [...]." (MARX apud LESSA,
2005, p. 10) que o homem utiliza para converter a natureza nos meios de
produção e de subsistência necessários à reprodução social.
Posto isso, o autor
conclui que "[...] Portanto, nas relações entre os homens, não temos, para
Marx, nem a presença de matéria-prima nem o emprego de 'meios de trabalho'
[...]." (LESSA, 2005, p.10).
Por que o Serviço Social não é trabalho? Pergunta num subtítulo do seu artigo
“Serviço Social e Trabalho: do que se trata?” e responde assim:
Em
primeiro lugar, e antes de qualquer coisa, porque
o Serviço Social não realiza a transformação da natureza nos bens materiais
necessários à reprodução social. Não cumpre a função mediadora entre os
homens e a natureza; pelo contrário, atua nas relações puramente sociais, nas
relações entre os homens. (LESSA, 2000, pág. 52). [destaque nosso]
Embora nos seus escritos
Lessa desenvolva outros raciocínios, vamos nos ater aqui na consideração deste
argumento que consideramos ser o essencial.
Karina Dala Pola*
Evaristo Colmán **
Evaristo Colmán **
Assistente
Social/UEL
** Assistente Social/PUC-SP, doutor em História pela UNESP e docente do Curso de Serviço Social da UEL |
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