quarta-feira, 22 de maio de 2013

As dimensões da pobreza



A pobreza é uma manifestação que permeia a sociedade desde o seu fundamento como sociedade de classes, sendo assim a pobreza não é fruto apenas da sociedade capitalista, esta passa a existir a partir das primeiras formas de exploração do homem pelo homem nas sociedades escravista e feudal, mas é no modelo de produção da sociedade capitalista que esse fenômeno torna-se complexo e persistente.

Nas sociedades pré-capitalistas o pauperismo era resultado da escassez de produção, não haviam forças produtivas suficientemente desenvolvidas para produzir os bens necessários de forma excedente. Tudo o que se produzia era o essencial para atender as necessidades coletivas. Desse modo a sociedade não crescia produtivamente.

É a partir do advento da sociedade capitalista e do desenvolvimento das forças produtivas comandada pela relação desumana de exploração do capital que a pobreza se agrava e ganha maiores proporções.

Na sociedade vigente a pobreza encontra várias definições de ser e de existir.

Para a sociologia a pobreza é um fenômeno autônomo e de responsabilidade individual ou coletiva dos setores por ela atingidos, é vista como um fato natural ou produzido pelo comportamento dos sujeitos que dela padecem. Para esta ciência social, a partir de uma vertente positivista, a pobreza durante muitos anos não artuculava-se com outras áreas da sociedade, como a economia e a política, passando a ser concebida como uma questão isolada.

A pobreza vem se intensificando ao longo dos séculos, sobretudo nos países emergentes, os quais necessitam alcançar em números, metas que comprovem o combate e o fim da miséria.

A ordem socialmente determinada estabelece ideologicamente a pobreza como um fenômeno essencialmente ligado apenas a carência monetária, fenômeno esse que deve ser “combatido” através da intensificação do uso de mecanismos estatais, a exemplo dos programas de transferência de renda. Segundo Andrade, (1989). “Isto espelha a própria lógica interna da dinâmica do sistema capitalista, no qual o Estado aciona mecanismos que mais favorecem a sua própria acumulação e legitimação do que mesmo beneficiam a população para a qual esses mecanismos são justificados, significando que a ordem estabelecida requer a pobreza e a reproduz enquanto tal, isto é, enquanto carência material e demanda social”.

            Ao passo em que o Estado “combate” a pobreza, ele a mantém, pois este precisa conservar a lógica de funcionamento da ordem social vigente, onde se encontra o fundamento da pobreza, enquanto expressão da questão social. Ao Estado cabe a tarefa de regular as relações de desigualdade gestadas nesta sociedade, desse modo ao mesmo tempo em que o capitalismo exclui os indivíduos, o Estado trata de “incluí-los” por meio das chamadas políticas públicas.

            É importante para a classe hegemônica que a pobreza seja classificada apenas no âmbito econômico, pois, sendo assim a grande parcela da sociedade possuidora muitas vezes de uma consciência ingênua irá compreender os programas de transferência de renda como um mecanismo que de fato irá acabar com a pobreza. Dessa forma a classe dominante mantém os índices de subalternidade da classe menos favorecida não apenas economicamente, mas também politicamente. Para Santos, (1978) “A medida da pobreza é dada, antes de mais nada, pelos objetivos que a sociedade determinou para si própria”.

            Segundo Marcelo Garcia, (2009) o entendimento de que a renda supera a pobreza, na realidade, não traduz de fato o que vem a ser viver a vida diária da pobreza. Para o autor é preciso que se tenha claro que: “A pobreza é a tradução de ausências”. Ausência de renda, de habitação segura, segurança, saúde, alimentação, trabalho, entre outras necessidades humanas básicas a serem atendidas. Marcelo diz ainda que: “A pobreza oferta, na verdade, vazios que o acesso a programas de transferência de renda por si só não é suficiente para serem superados”.

            O acesso a uma renda básica é sim uma importante forma de segurança social, isso é inegável nas condições impostas por esse modelo de sociedade, porém é importante compreender que a pobreza vai mais além do que não ter renda, vai além de estudos isolados a partir de informações fragmentadas. A pobreza é produto do desenvolvimento das forças produtivas e resultado do processo que articula acumulação e empobrecimento.

Santos diz que: “A definição de pobreza deve ir além de pesquisas estatísticas para situar o homem na sociedade global a que pertence, por tanto a pobreza não é apenas uma categoria econômica, mas também uma categoria política, acima de tudo”.

As dimensões da pobreza fazem parte de uma totalidade contraditória e complexa. A pobreza e as demais expressões da questão social não são essa totalidade, elas compreendem um recorte da mesma que encontra o seu fundamento no modelo de produção capitalista.

 Segundo os estudos de Sérgio Abranches, (1985) “pobreza é destituição, marginalidade e desproteção: destituição dos meios de sobrevivência física; marginalização no usufruto dos benefícios do progresso e no acesso as oportunidades de emprego e renda; desproteção por falta de amparo público adequado e inoperância dos direitos básicos de cidadania que incluem garantias à subsistência e bem-estar social”.

Nesta consideração, o autor, mesmo destacando os direitos e as garantias a subsistência, fica subentendido as demais dimensões da pobreza quando o mesmo referencia os direitos a cidadania. Abranches questiona os parâmetros que avaliam e afirmam inteiramente a pobreza através dos níveis de renda. Para o autor, no Brasil, atualmente convivem duas formas de pobreza: “a estrutural, mais arraigada e persistente, e a cíclica que se agravou com a crise do desemprego.” (Abranches, 1985).

O fator econômico é um componente da pobreza no sentido de “suprimi-la”, mas também e principalmente é o componente que a determina, sendo a pobreza resultante das relações de exploração de classes.
           Dando-se relevância ao estudo da pobreza em dimensões não econômicas destaca-se a concepção de pobreza de Pedro Demo denominada “Pobreza Política” na qual ele concebe a pobreza como privação de cidadania. Assim como Abranches, Demo também referencia duas formas de pobreza que são “não ter e não ser” a primeira é de ordem material e a segunda de ordem imaterial. Para Demo, “é pobre também a pessoa que vive em estado de manipulação, ou destituída da consciência de sua opressão, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos”. (Demo, 1988).

 Nessa concepção de pobreza política, Demo se faz compreender que pobre é também aquele que mesmo sem privação material para sobreviver, ainda não se organizou de forma consciente para participar do processo histórico da sociedade da qual faz parte como cidadão. Segundo o autor “o traço mais profundo da pobreza política é a falta de organização da sociedade civil, sobretudo frente ao Estado e às oligarquias econômicas”. (Demo, 1988).

A questão da pobreza política para Demo está ligada a falta de participação dos indivíduos na construção histórica da sociedade e a postura acomodada dos mesmos em face das desigualdades sociais. Não se trata de desprezar a questão material da pobreza, mas agregar a preocupação com a questão material, a preocupação com a questão política, possivelmente ainda mais grave, segundo o autor.

A pobreza está expressa em uma totalidade fundada pela relação de contradição entre capital/trabalho. É importante a compreensão de que a pobreza não findará neste modelo de sociedade, pois é este mesmo modelo que trata de produzir e reproduzir a pobreza e suas diversas dimensões. Não será o enfrentamento da pobreza via políticas públicas que acabará com essa expressão da questão social, as políticas sociais representam o Estado no gerenciamento da pobreza, sem tomar medidas estruturais, mas apenas mantendo-a em “níveis amenos”, desenvolvendo programas focalistas e emergenciais, dados com base em pesquisas isoladas a partir de informações fragmentadas que compreendem a pobreza a partir de uma única dimensão, a material.

Diante disso, a pobreza não está apenas na privação material, que pode ser imediatamente resolvida por meio das políticas públicas, a pobreza encontra-se enraizada nessa sociedade que trata de inibir sua superação. 


Por Priscila Morais, graduanda em Serviço Social - UFAL





NOGUEIRA. Maria Veralucia Leite. Uma representação conceitual da pobreza. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (36).  São Paulo: Cortez, 1991. Pág. 101 a 125.



PAIVA. Beatriz Augusto, OLIVEIRA. Maria Norma e GOMES. Ana Lígia. Medidas de combate à pobreza. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (63).  São Paulo: Cortez, 2000. Pág. 27 a 44.



MONTAÑO. Carlos. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (110).  São Paulo: Cotez, 2012.



- DEMO, Pedro. Pobreza política. Campinas: Autores Associados, 2001.

FARIAS. Marcelo. O que é pobreza?
Disponível em: http://www.marcelogarcia.com.br/artigoa399.html

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