Boa leitura.
Priscila Morais
Por Christopher Rodrigues
Os
estudos de Karl Marx foram enfáticos na análise do contexto em que ocorreu a
chamada Acumulação Primitiva. O vigésimo quarto capítulo do livro "O Capital"
(vol. 2), principal obra de Marx, fica incumbido pela compreensão do acúmulo de
riquezas, ocorrido no período pré-capitalista. A acumulação de capital foi algo
de importância vital para o surgimento e desenvolvimento do sistema
capitalista.
Os
elementos do capitalismo, segundo o capítulo, foram liberados após o colapso
da estrutura feudal. Na organização social pré-capitalista, as pessoas, via de
regra, viviam no campo, onde predominava o modelo de produção baseado na
propriedade comunal. “A estrutura econômica
da sociedade capitalista proveio da estrutura econômica da sociedade feudal. A
decomposição desta liberou os elementos daquela”. (p. 340).
O artesanato era muito presente nessa
sociedade e os trabalhadores possuíam os meios de produção e, ao mesmo tempo,
exerciam todas as etapas do trabalho. Não havia divisão do trabalho. Tudo que
produziam era meramente direcionado ao autoconsumo para fins de subsistência.
No
entanto, a dissolução do regime feudal foi resultado de uma expropriação em
massa de camponeses. O colapso do feudalismo foi de importância fundamental na
formação de indivíduos despossuídos de meios de produção. A terra, o trabalho e
os fatores de produção foram mercantilizados e incorporados no modo de produção
capitalista. Alguns dos camponeses se apropriaram dos fatores, mas outros
perderam tudo e só lhe restavam como alternativa vender a própria força de
trabalho.
Daí,
então, é que surge a figura do proletariado (possuidor de força de trabalho)
junto com o capitalista (proprietário dos meios de produção). Agora, os
ex-camponeses trabalharão para o sustento da insaciável fome do capitalista de
ampliar suas riquezas. O trabalhador produz, mas quem se apodera do produto do
trabalho é o patrão.
“Com
essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção
capitalista”. (p. 340). Sem essa prévia acumulação de riquezas,
o início da era capitalista seria duvidoso. Com isso, o sistema pôde se
desenvolver e se ampliar com decorrer do tempo.
Portanto,
o sistema que sucede o feudalismo consiste na separação entre o trabalhador e os
seus meios de produção, que lhe garantiam a subsistência. Assim, o capitalismo
transforma o produtor autônomo num mero proletário. Acumulação primitiva é
assim chamada porque “constitui a pré-história do capital e do modo de produção
que lhe corresponde”. (p. 340).
O
amplo e profundo processo de expropriação foi responsável pelo confisco dos
bens da Igreja Católica, que no contexto feudal fora a principal detentora de
terras. Tal processo iniciou-se de maneira violenta na Inglaterra. Muitos
camponeses foram expulsos e tiveram que buscar outras opções na cidade. O
grande contingente de possuídos que foram expulsos do campo foi uma alavanca
essencial para o pioneirismo industrial inglês.
A
indústria assim se desenvolveu e pôde contar com uma interminável massa de
desempregados. O desenvolvimento industrial foi tardio em locais onde a
resistência feudal era maior. Na Inglaterra, no entanto, esse problema não
ameaçava o sonho inglês de um dia alcançar novos mercados. Posteriormente,
outros países europeus foram vencendo a queda de braço com o feudalismo e
também foram desenvolvendo a própria indústria.
Naquela
época, as decisões passaram a ser determinadas pelas forças do mercado em
detrimento dos ideais mercantilistas. Assim, quanto maior era a oferta de
trabalho, menores eram os salários. Pouco foram as intervenções do Estado e as
criações de leis que visassem proteger os direitos trabalhistas. As leis eram
para punir os ociosos, mendigos e “vagabundos”. Tais leis asseguravam castigos
rigorosos para aqueles que não trabalhavam. As penalidades iam desde um simples
castigos até a pena de morte.
O
Estado era mínimo e era competente apenas para atender aos interesses da classe
burguesa. “A burguesia nascente precisa e emprega a força do Estado para
“regular” o salário, isto é, para comprimi-lo dentro dos limites convenientes à
extração de mais-valia, para prolongar a jornada de trabalho e manter o próprio
trabalhador num grau normal de dependência. Esse é um momento essencial da
assim chamada acumulação primitiva”. (p. 359).
A
expropriação do povo cria uma classe formada por grandes proprietários
fundiários. O campo, após a expulsão, passou a produzir quase que
exclusivamente para o mercado. O que significa que a produção no campo, que antes
era um mero meio de subsistência, passou a ser negociada no mercado
capitalista. Agora, tudo que é produzido deverá ter alguma utilidade na lógica
do capital. “Antes, repartido entre inumeráveis pequenos produtores, que o
cultivavam e fiavam em pequenas porções com suas famílias, está agora concentrado
nas mãos de um capitalista, que faz outros fiar e tecer para ele”. (p. 366).
A
própria produção rural foi direcionada para satisfazer a demanda de
matérias-primas por parte das indústrias nascentes. Porém, o apetite pelos
primários era tão grande que a produção agrícola interna não conseguiu
contemplar a incansável procura pelos insumos básicos que a indústria tanto
necessitava.
Portanto,
foi preciso buscar as matérias-primas em outras regiões do mundo e também
expandir os mercados e conquistar novos consumidores para fazer a máquina da
economia girar. Começaram, então, as expansões marítimas e as primeiras ondas
de colonizações.
Nem,
por isso, o intenso processo de expropriação foi diminuindo. “A expulsão em
massa causou uma liberação de um grande número despossuídos que buscavam um emprego
qualquer. A intermitente e sempre renovada expropriação e expulsão do povo do
campo, como foi visto, forneceu à indústria urbana mais e mais massas de
proletários, situados totalmente fora das relações corporativas, (...), acreditar
numa intervenção direta da Providência”. (p. 365). Além do mais, “a
expropriação e a expulsão de parte do povo do campo liberam, com os
trabalhadores, não apenas seus meios de subsistência e seu material de trabalho
para o capital industrial, mas criam também o mercado interno”. (p. 367).
Apesar de tudo, a
produção continuou em alta, pois a mesma expropriação foi acompanhada por
melhoramentos nas técnicas de produção, organização e cultivo. Também com a
revolução industrial, as inovações tecnológicas, embora modestas, a principio,
tiveram um papel fundamental no aumento da produtividade no campo.
Diferente da sociedade
feudal, no capitalismo há uma pequena possibilidade dos mais pobres ascenderem
socialmente. Assim, alguns artesãos independentes e até mesmos trabalhadores
assalariados foram se tornando pequenos capitalistas. No entanto, a maioria
deles foram convertidos em proletários que nada mais havia senão a própria
força de trabalho. Os empresários sugam a energia dos trabalhadores e extraem a
chamada mais-valia, a principal responsável pelo lucro no âmbito capitalista.
“A dívida
pública torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva”. (p.
373). Isso é fato principalmente porque os juros da dívida transferem renda dos
mais pobres para os mais ricos. Para saldar a dívida, o Estado adota alguns
mecanismos como o aumento da cobrança de impostos dos trabalhadores ou a
contração de empréstimos no exterior. Tudo isso contribui para uma maior
concentração de renda. “... a dívida do Estado fez prosperar as sociedades por
ações, o comércio com títulos negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em uma
palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia”. (p. 374).
“Sistema
colonial, dívidas do Estado peso dos impostos, proteção, guerras comerciais
etc., esses rebentos do período manufatureiro propriamente dito se agigantam
durante a infância da grande indústria”. (p. 376).
Os
trabalhadores foram expropriados e agora também os capitalistas (especialmente
os pequenos) estão paulatinamente sendo expropriados. “O que está agora para
ser expropriado já não é o trabalhador economicamente autônomo, mas o
capitalista que explora muitos trabalhadores”. (p. 380).
Marx
fez um prognóstico acertado e bastante preciso sobre o futuro deste sistema
atual. As contribuições marxistas foram simplesmente fantásticas para o
entendimento real do que viria a ser o capitalismo. Primeiro, veio a etapa acumulação
de riquezas, depois teve início ao modo de produção capitalista que foi
caracterizado pela competição agressiva entre as empresas. Posteriormente,
houve uma centralização dos meios de produção e a consequente formação de
monopólios, oligopólios, cartéis, etc. Agora, os meios de produção estão
cocentrados nas mãos de poucos, e estes podem limitar a produção e elevar os
níveis de preços, causando uma ineficiência no mercado. E quem perde de novo é
o povo trabalhador. Tudo
o que acontece foi previsto antes por esse que é o maior economista de todos os
tempos.
O
capítulo 24 do livro "O capital" traz uma novidade em termos científicos na sua
época, mas seus principais argumentos são consistentes até o dia de hoje. As
leituras deste capítulo, do livro e de todas as obras de Karl Marx são
indispensáveis para a compreensão real do que era e é o capitalismo.
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