quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Sobre: A assim chamada acumulação primitiva (2)

Mais uma leitura auxiliar para complementar o entendimento do Cap. XXIV do livro O Capital de Karl Marx. A assim chamada acumulação primitiva.


Boa leitura.

Priscila Morais


Por Christopher Rodrigues


Os estudos de Karl Marx foram enfáticos na análise do contexto em que ocorreu a chamada Acumulação Primitiva. O vigésimo quarto capítulo do livro "O Capital" (vol. 2), principal obra de Marx, fica incumbido pela compreensão do acúmulo de riquezas, ocorrido no período pré-capitalista. A acumulação de capital foi algo de importância vital para o surgimento e desenvolvimento do sistema capitalista.
 
Os elementos do capitalismo, segundo o capítulo, foram liberados após o colapso da estrutura feudal. Na organização social pré-capitalista, as pessoas, via de regra, viviam no campo, onde predominava o modelo de produção baseado na propriedade comunal. “A estrutura econômica da sociedade capitalista proveio da estrutura econômica da sociedade feudal. A decomposição desta liberou os elementos daquela”. (p. 340).
 
O artesanato era muito presente nessa sociedade e os trabalhadores possuíam os meios de produção e, ao mesmo tempo, exerciam todas as etapas do trabalho. Não havia divisão do trabalho. Tudo que produziam era meramente direcionado ao autoconsumo para fins de subsistência.
 
No entanto, a dissolução do regime feudal foi resultado de uma expropriação em massa de camponeses. O colapso do feudalismo foi de importância fundamental na formação de indivíduos despossuídos de meios de produção. A terra, o trabalho e os fatores de produção foram mercantilizados e incorporados no modo de produção capitalista. Alguns dos camponeses se apropriaram dos fatores, mas outros perderam tudo e só lhe restavam como alternativa vender a própria força de trabalho.
 
Daí, então, é que surge a figura do proletariado (possuidor de força de trabalho) junto com o capitalista (proprietário dos meios de produção). Agora, os ex-camponeses trabalharão para o sustento da insaciável fome do capitalista de ampliar suas riquezas. O trabalhador produz, mas quem se apodera do produto do trabalho é o patrão. 
 
“Com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista”. (p. 340). Sem essa prévia acumulação de riquezas, o início da era capitalista seria duvidoso. Com isso, o sistema pôde se desenvolver e se ampliar com decorrer do tempo.
 
Portanto, o sistema que sucede o feudalismo consiste na separação entre o trabalhador e os seus meios de produção, que lhe garantiam a subsistência. Assim, o capitalismo transforma o produtor autônomo num mero proletário. Acumulação primitiva é assim chamada porque “constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde”. (p. 340).
 
O amplo e profundo processo de expropriação foi responsável pelo confisco dos bens da Igreja Católica, que no contexto feudal fora a principal detentora de terras. Tal processo iniciou-se de maneira violenta na Inglaterra. Muitos camponeses foram expulsos e tiveram que buscar outras opções na cidade. O grande contingente de possuídos que foram expulsos do campo foi uma alavanca essencial para o pioneirismo industrial inglês.
 
A indústria assim se desenvolveu e pôde contar com uma interminável massa de desempregados. O desenvolvimento industrial foi tardio em locais onde a resistência feudal era maior. Na Inglaterra, no entanto, esse problema não ameaçava o sonho inglês de um dia alcançar novos mercados. Posteriormente, outros países europeus foram vencendo a queda de braço com o feudalismo e também foram desenvolvendo a própria indústria.   
 
Naquela época, as decisões passaram a ser determinadas pelas forças do mercado em detrimento dos ideais mercantilistas. Assim, quanto maior era a oferta de trabalho, menores eram os salários. Pouco foram as intervenções do Estado e as criações de leis que visassem proteger os direitos trabalhistas. As leis eram para punir os ociosos, mendigos e “vagabundos”. Tais leis asseguravam castigos rigorosos para aqueles que não trabalhavam. As penalidades iam desde um simples castigos até a pena de morte.
 
O Estado era mínimo e era competente apenas para atender aos interesses da classe burguesa. “A burguesia nascente precisa e emprega a força do Estado para “regular” o salário, isto é, para comprimi-lo dentro dos limites convenientes à extração de mais-valia, para prolongar a jornada de trabalho e manter o próprio trabalhador num grau normal de dependência. Esse é um momento essencial da assim chamada acumulação primitiva”. (p. 359).
 
A expropriação do povo cria uma classe formada por grandes proprietários fundiários. O campo, após a expulsão, passou a produzir quase que exclusivamente para o mercado. O que significa que a produção no campo, que antes era um mero meio de subsistência, passou a ser negociada no mercado capitalista. Agora, tudo que é produzido deverá ter alguma utilidade na lógica do capital. “Antes, repartido entre inumeráveis pequenos produtores, que o cultivavam e fiavam em pequenas porções com suas famílias, está agora concentrado nas mãos de um capitalista, que faz outros fiar e tecer para ele”. (p. 366).
 
A própria produção rural foi direcionada para satisfazer a demanda de matérias-primas por parte das indústrias nascentes. Porém, o apetite pelos primários era tão grande que a produção agrícola interna não conseguiu contemplar a incansável procura pelos insumos básicos que a indústria tanto necessitava.
 
Portanto, foi preciso buscar as matérias-primas em outras regiões do mundo e também expandir os mercados e conquistar novos consumidores para fazer a máquina da economia girar. Começaram, então, as expansões marítimas e as primeiras ondas de colonizações.
 
Nem, por isso, o intenso processo de expropriação foi diminuindo. “A expulsão em massa causou uma liberação de um grande número despossuídos que buscavam um emprego qualquer. A intermitente e sempre renovada expropriação e expulsão do povo do campo, como foi visto, forneceu à indústria urbana mais e mais massas de proletários, situados totalmente fora das relações corporativas, (...), acreditar numa intervenção direta da Providência”. (p. 365). Além do mais, “a expropriação e a expulsão de parte do povo do campo liberam, com os trabalhadores, não apenas seus meios de subsistência e seu material de trabalho para o capital industrial, mas criam também o mercado interno”. (p. 367).
 
Apesar de tudo, a produção continuou em alta, pois a mesma expropriação foi acompanhada por melhoramentos nas técnicas de produção, organização e cultivo. Também com a revolução industrial, as inovações tecnológicas, embora modestas, a principio, tiveram um papel fundamental no aumento da produtividade no campo.
 
Diferente da sociedade feudal, no capitalismo há uma pequena possibilidade dos mais pobres ascenderem socialmente. Assim, alguns artesãos independentes e até mesmos trabalhadores assalariados foram se tornando pequenos capitalistas. No entanto, a maioria deles foram convertidos em proletários que nada mais havia senão a própria força de trabalho. Os empresários sugam a energia dos trabalhadores e extraem a chamada mais-valia, a principal responsável pelo lucro no âmbito capitalista.
 
“A dívida pública torna-se uma das mais enérgicas alavancas da acumulação primitiva”. (p. 373). Isso é fato principalmente porque os juros da dívida transferem renda dos mais pobres para os mais ricos. Para saldar a dívida, o Estado adota alguns mecanismos como o aumento da cobrança de impostos dos trabalhadores ou a contração de empréstimos no exterior. Tudo isso contribui para uma maior concentração de renda. “... a dívida do Estado fez prosperar as sociedades por ações, o comércio com títulos negociáveis de toda espécie, a agiotagem, em uma palavra: o jogo da Bolsa e a moderna bancocracia”. (p. 374).
 
“Sistema colonial, dívidas do Estado peso dos impostos, proteção, guerras comerciais etc., esses rebentos do período manufatureiro propriamente dito se agigantam durante a infância da grande indústria”. (p. 376).
 
Os trabalhadores foram expropriados e agora também os capitalistas (especialmente os pequenos) estão paulatinamente sendo expropriados. “O que está agora para ser expropriado já não é o trabalhador economicamente autônomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores”. (p. 380).
 
Marx fez um prognóstico acertado e bastante preciso sobre o futuro deste sistema atual. As contribuições marxistas foram simplesmente fantásticas para o entendimento real do que viria a ser o capitalismo. Primeiro, veio a etapa acumulação de riquezas, depois teve início ao modo de produção capitalista que foi caracterizado pela competição agressiva entre as empresas. Posteriormente, houve uma centralização dos meios de produção e a consequente formação de monopólios, oligopólios, cartéis, etc. Agora, os meios de produção estão cocentrados nas mãos de poucos, e estes podem limitar a produção e elevar os níveis de preços, causando uma ineficiência no mercado. E quem perde de novo é o povo trabalhador. Tudo o que acontece foi previsto antes por esse que é o maior economista de todos os tempos.
 
O capítulo 24 do livro "O capital" traz uma novidade em termos científicos na sua época, mas seus principais argumentos são consistentes até o dia de hoje. As leituras deste capítulo, do livro e de todas as obras de Karl Marx são indispensáveis para a compreensão real do que era e é o capitalismo.
 

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