Considerando-se
o período da história do Brasil que se inicia nos anos de 1930, constata-se
que, as formas de enfrentamento pobreza existentes eram isoladas, por
categorias profissionais. Os trabalhadores que mantinham vínculo formal
empregatício eram assistidos pela proteção social, já a parcela da população
empobrecida que se encontrava desempregada ficava a mercê da LBA (Legião
Brasileira de Assistência) ou de práticas de caridade exercidas por
instituições filantrópicas ou religiosas.
O Sistema de
proteção Social brasileiro foi ampliado no período ditatorial, através do
surgimento de movimentos sociais e sindicatos desvinculados do Estado, que
lutaram para ampliar e universalizar os direitos sociais, o que resultou na
elaboração e aprovação da Constituição Federal de 1988, que, com efeito,
resultou na ampliação do conceito de Seguridade Social no Brasil. Segundo
Simões (2009), a Seguridade Social foi estabelecida pela Constituição de 1988.
Antes do conceito de seguridade em 88, havia o conceito de Seguro Social no
país que datava da Constituição anterior, a de 1934, este conceito foi criado
no âmbito da política trabalhista e previdenciária do governo de Getúlio
Vargas. A Seguridade Social tem como propósito, garantir a atenção das
necessidades mínimas da vida da população, em face das contradições sociais e
econômicas.
A Constituição é marco central para
analisar a evolução recente da proteção social no Brasil. Esta alterou o quadro
da proteção social com expressivos impactos, tanto em termos de ampliação da
cobertura, como em termos redistributivos. A Constituição de 1988 possibilitou
novas bases para o atual sistema de proteção social brasileiro que definiu a
seguridade social e reconheceu os direitos sociais da classe subalternizada. Em
seu artigo 194, a Constituição define seguridade social como: “um conjunto
integrado de ações de iniciativa do poder público e da sociedade, destinadas a
assegurar os direitos relativos à saúde, a assistência e a previdência social.”
A concepção de seguridade social definida na Constituição brasileira
contempla um sistema de diferentes situações sociais que alcançam a população,
ao longo de suas vidas, em situação de trabalho ou ausência deste e em situação
de insuficiência de renda. A seguridade social é, pois, uma cobertura social
que não depende do custeio individual direto. São objetivos da seguridade
social, segundo a carta constitucional:
A
universalidade de cobertura e de atendimento; uniformidade e equivalência dos
benefícios e dos serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do
valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio; diversidade
da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da
administração, mediante gestão quadripartite, com a participação dos
trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos
colegiados. (Parágrafo Único do artigo 194 da Constituição Federal).
Entre as inovações constitucionais, em
relação ao sistema protetivo no Brasil, destaca-se no campo legal, a
centralidade da responsabilização do Estado na regulação das políticas públicas
dentro da proteção social e junto a isso a proposta de descentralização e
participação da sociedade civil no controle das políticas sociais.
É necessário destacar que, segundo Yazbek
(2012), a Constituição brasileira é promulgada em um contexto histórico
dramático, dominado pelo crescimento da pobreza e da desigualdade social, o que
veio a endividar ainda mais o país. Esse contexto é marcado por um processo de
reestruturação produtiva, no qual é preciso limitar a intervenção estatal sob a
inserção de uma ótica neoliberal no país. A pressão resultante do Consenso de Washington[1]
e exercida por e organismos como FMI – Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial responsáveis por estabelecer estratégias neoliberais para que os países
periféricos enfrentassem suas crises, resultou na adoção de medidas econômicas e ajustes fiscais que, no
campo da proteção social, irão refletiram no crescimento dos índices de
pobreza, indigência e desemprego.
Nesse
contexto, as transformações econômicas que aconteceram, tensionadas pela
consolidação do modelo neoliberal que implementou estratégias de mundialização
e financeirização do capital, com seu curso privatizante e focalizador das
políticas sociais, criou obstáculos, de diversas formas, à realização dos novos
direitos emergentes na Constituição de 88. Assim o processo de construção da
seguridade social brasileira, não se consolida nesse período, devido à
conjuntura política de rearticulação do bloco conservador com a eleição de
Fernando Collor de Melo para presidente da Republica, o que também por sua vez,
obstruiu a realização dos novos direitos constitucionais.
Nos anos 90
configurou-se um novo perfil para a pobreza e suas expressões no Brasil,
principalmente no que se refere à precarização do trabalho e a corrosão do
sistema público de proteção social, realizou-se uma retração dos investimentos
públicos no campo social com crescente reordenamento e a subordinação das
políticas sociais às políticas de ajuste econômico, ou seja, restrições dos
gastos públicos e o incremento de uma perspectiva privatizante.
Segundo
Yazbek (2012), é nesse contexto que se inicia a construção de uma nova
concepção para a Assistência Social brasileira, que é regulamentada como
política social pública, inserida no campo dos direitos, da universalização dos
acessos e da responsabilidade do Estado. Nesse sentido, a instituição da LOAS –
Lei Orgânica da Assistência Social, estabelece uma nova direção para a referida
política no país, tornando-a uma política pública de direito dos que dela necessitarem.
A política de assistência, que tem por funções a
proteção social e a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos,
organiza-se sob a forma de um sistema público não contributivo, descentralizado
e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Parágrafo
único. A assistência ocupa-se de prover a proteção à vida, reduzir danos,
prevenir a incidência de riscos sociais, independente de contribuição prévia, e
deve ser financiado com recursos previstos no orçamento da Seguridade Social.
(Art. 1º da NOB/SUAS. 2012).
A inserção da Assistência Social na Seguridade Social
aponta para o seu caráter de política de proteção social, voltada para o
enfrentamento da pobreza e articulada a outras políticas do campo social, voltada
para a garantia de melhores condições de vida. A assistência social a partir
disso, é definida como um direito não contributivo, passando a ser um espaço
para a defesa dos interesses e necessidades sociais das classes menos
favorecidas na sociedade. Assim, é dever da assistência social desenvolver
ações de prevenção e provimento de garantias ou seguranças sociais, por meio de
programas, projetos, serviços e benefícios voltados para a proteção social e
para o atendimento de necessidades da população usuária dessa política.
Apesar da assistência Social, ser uma política de Estado
e possuir caráter universal de direito, a Constituição federal cria novos
contornos para a proteção social brasileira, particularmente para a política de
Assistência Social, que segundo Yazbek (2012), “passa a ser também objeto de
esvaziamento e desqualificação em seu processo de implementação no pós
constitucional no país, contexto no qual ocorre a despolitização do
enfrentamento da questão social brasileira.”
Essas questões emergem no país em um contexto de grandes
mudanças societárias, mais precisamente na década de 90, interferindo na
questão social. Assim algumas questões
ficam à espera de respostas, como por exemplo a compatibilidade, ou não, entre
direitos, políticas sociais e as relações que se estabelecem entre Estado,
sociedade civil e mercado em um novo contexto do processo que favorece a
acumulação capitalista. Nesse contexto, no qual, o trabalho e o direito à
proteção social pública sofreram os rígidos embates das transformações
estruturais geradas pelo capitalismo, o que rebate duramente sobre o trabalho
assalariado e as diferentes relações de trabalho, o levando a um processo de
rearranjo dos sistemas de proteção social e da política social de modo geral.
Tais inovações tiveram um impacto positivo na ampliação da cobertura de
programas de segurança de renda à população, entretanto, a década de 90
reformas implementadas buscaram atuar no sentido contrário. A adoção de medidas
restritivas significou a ampliação da desproteção para alguns grupos de
trabalhadores. Entre essas medidas pode-se estar à substituição da comprovação do
tempo de serviço e pela comprovação por tempo de contribuição para o acesso à
aposentadoria, fazendo crescer o risco de perda da condição de segurado e
dificultando o acesso aos benefícios previdenciários.
Além dos
programas contributivos, que têm longa história no Brasil, registra-se a partir
dos anos 1990 um elevado investimento em programa de transferência. As chamadas
transferências de renda não contributivas têm origem bastante recente no
Brasil. Essas se consolidam na esfera federal, no início dos anos 2000,
operando novos tipos de benefícios monetários, não previstos pelo texto
constitucional, não sendo, pois, um direito social, pois não possui caráter de
universalidade, mas trata-se de um benefício monetário assegurado pelo Estado
em instancias governamental.
O novo formato misto não contributivo e contributivo de garantia de
renda no campo da seguridade social persegue objetivos distintos. Enquanto o
seguro social visa prevenir e evitar as situações de ausência de renda nos
casos da perda da capacidade de trabalho, os programas assistenciais limitados
a remediar, buscam fazer frente a situações em que a pobreza já está instalada.
A previdência social definida pela Constituição, mantém-se organizada
sob a base da contribuição de empregados e empregadores, garantindo proteção
aos riscos sociais para os trabalhadores com contratos formais de trabalho.
Para os demais grupos de trabalhadores, a lei institui tratamento distinto.
Analisando a contribuição à previdência social que se originam das ocupações
não assalariadas, Pochmann,[2]
conclui que menos de 11% dos trabalhadores informais mantinham-se, em 2006,
como contribuintes. A baixa taxa de contribuição é reforçada pelo expressivo
número de desempregados no mercado de trabalho, assim como, pela alta
rotatividade no emprego que compromete a permanência do vínculo com a
previdência e, em consequência, a garantia de proteção social. A baixa renda, a
precariedade dos vínculos trabalhistas e a incerteza ocupacional que
caracterizam as atividades de grande número dos trabalhadores urbanos tornam a
construção de uma cobertura universal de base contributiva no país, pouco
viável.
A Carta
Constitucional instituiu uma segunda garantia de renda vinculada à seguridade
social, o BPC – Benefício de Prestação Continuada, que foi o primeiro benefício
assistencial implementado no país em escala nacional, tendo começado a operar
em 1996. A Lei Orgânica da Assistência (LOAS) regulamentou o BPC, fixando o
acesso ao benefício para aqueles cuja renda per capita seja inferior a ¼ do
salário mínimo.
A ampliação da proteção social no
campo dos benefícios não contributivos, foi realizada mais recentemente por
meio dos chamados programas de transferência de renda. Apesar do governo Fernando Henrique Cardoso - FHC estabelecer como
prioridade o reajuste econômico do país, dando pouca atenção à agenda social,
em 2001 esse governo criou por meio de um contrato com o BID – Banco
Internacional de Desenvolvimento, a rede de proteção social. Essa rede
introduzida no campo social criou um conjunto de ações seletivas voltadas para
a população mais vulnerável. Essas ações sociais se davam por meio de
transferência de renda, com destaque para a expansão de alguns programas como o
BPC, o PETI – Programa de erradicação ao Trabalho Infantil, criado no ano de
1996, o Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado ao também Programa Bolsa
Escola, Bolsa Alimentação, O Agente Jovem e posteriormente o Programa Auxílio
Gás. Esse conjunto de programas federais tomaram grandes proporções e se tornam
as mais recentes formas de enfrentamento à pobreza no Brasil, permitindo o
crescimento de propostas de transferência monetária no âmbito da política
social.
Apensar da natureza desses
programas federais ser oposta a do modelo universalista de proteção social que
emergiu da Constituição, essa iniciativa se consolidou nos últimos anos por
meio do PBF – Programa Bolsa Família, que alcança principalmente famílias cujos
membros adultos estão em idade economicamente ativa participando ou não do
mercado de trabalho. O PBF introduz uma relevante inovação com relação aos
anteriores. Os primeiros programas federais beneficiavam principalmente
famílias em situação de pobreza que contavam com crianças em sua composição,
reafirmando assim, a ideia da vulnerabilidade pela idade como condição para a
legitimidade da transferência de renda. O PBF, ao contrário, mantém uma faixa
de proteção que beneficia qualquer família, independentemente de sua
composição.
A inovação representada pelo Bolsa Família diz
respeito, assim ao reconhecimento da relevância e da legitimidade de garantir
uma renda a todos aqueles que estejam abaixo de um patamar considerado mínimo.
Embora, haja restrições representadas pelo valor limitado do benefício que pode
variar dependendo da renda e da composição familiar, a implantação do PBF
parece efetivamente configurar a formação de um novo pilar no sistema de
proteção social no país.
No que se refere à
pobreza e à transferência de renda, o BPC e o PBF beneficiam populações
distintas de acordo com sua participação no mercado de trabalho. Os benefícios
sob responsabilidade da previdência social, como o BPC, visam beneficiar às
populações reconhecidas como impossibilitadas, temporária ou definitivamente,
de arcarem com sua sobrevivência pelo próprio trabalho. De acordo com a LOAS:
O benefício de prestação continuada é a
garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65
(sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Artigo, 20. Lei
Orgânica da Assistência Social)
O Bolsa
Família, por outro lado, alcança principalmente aquelas famílias cujos membros
adultos estão em idade economicamente ativa e participam do mercado de
trabalho.
Os benefícios monetários não ancorados na
contribuição social ou na comprovação do exercício do trabalho legitimam e fazem
emergir tensões expressivas no campo da proteção social. A assistência social,
ao contrário, do seguro social, não corresponde ao princípio da reciprocidade[3].
De fato, além de estar assentada na separação entre os que pagam e os que
recebem, a assistência social exige a comprovação do estado de necessidade para
o acesso ao beneficio, por meio da renda familiar.
O beneficio sem a
contra partida da contribuição da população, apta para o trabalho, parece
questionar a própria obrigação do trabalho que organiza as sociedades modernas.
Ao mesmo tempo significa um reconhecimento da incapacidade do sistema econômico
em prover oportunidades à população.
A longa
crise econômica associada à redução da criação de postos de trabalho formais e
à queda da renda média do trabalho permitiu a instituição de uma política de
garantia de renda para um ampliado grupo da população em situações vulneráveis
da sociedade. Nesse contexto a assistência social passou a ser responsabilizada
por atuar de forma conjunta com a proteção social. Atingiu uma população
impossibilitada de obter renda satisfatória via sua inserção no mercado de
trabalho, bem como, de assegurar, via contribuição social diante da
incapacidade do trabalho.
Com isso, para Jaccoud,
a ampliação da cobertura dos programas de garantia de renda ainda não está
consolidada. A adoção dos benefícios assistenciais depende da clara afirmação
de um projeto político abrangente que mobilize um novo patamar de intervenção
do Estado no campo social. Essa não é uma trajetória simples, como tem mostrado
o caso do Brasil.
No próximo tópico,
trataremos dos programas federais que se voltaram para o atendimento às
famílias pobres, os impactos desses programas no enfrentamento à pobreza no
Brasil nos anos recentes, associados a um grupo de restrições progressivas as
coberturas universais, asseguradas pelo modelo de proteção social adotado em
1988.
Por Priscila Morais
[1]
O Consenso de Washington é um
conjunto de medidas formulado em novembro de 1989 por economistas de
instituições financeiras situadas em Washington, como o FMI – Fundo Monetário
Internaiconal, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.
Tais medidas foram fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International
Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo
Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em
desenvolvimento que passavam por dificuldades.
[2] Marcio
Pochmann é um economista e político brasileiro. Formado em
Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduado
em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento
Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito
Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília.
[3] O princípio de reciprocidade consiste em
permitir a aplicação de efeitos jurídicos em determinadas relações de Direito,
quando esses mesmos efeitos são aceitos igualmente por países estrangeiros.
Segundo o Direito Internacional, a reciprocidade implica o direito de igualdade
e de respeito mútuo entre os Estados.
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Constituição da
República Federativa do Brasil:
Promulgada em 5 de outubro de 1988.
YAZBEK.
Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. IN: Revista
Serviço Social & Sociedade (110). São Paulo: Cortez, 2012.
_________,
Lei Orgânica da Assistência Social. Promulgada
em: 7 de dezembro de 1993.
JACCOUD.
Luciana. Pobres, pobreza e cidadania: os
desafios recentes da proteção social.
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