quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A pobreza no debate contemporâneo

Parte 3


Além da perspectiva liberal, neoliberal e marxista sobre a pobreza, existem abordagens diversas sobre a mesma, embora não se inscreva explicitamente nas correntes de pensamentos citadas anteriormente, se apresentam como análises de relevância no debate contemporâneo sobre a pobreza.
            Inicialmente trataremos da compreensão da pobreza partindo de análises propostas por duas instituições de grande relevância política, ideológica, econômica, social e cultural – a Igreja Católica, com base na Encíclica Rerum Novarum e o Banco Mundial.
             A Encíclica Rerum Novarum foi escrita em 1891 em resposta à publicação do Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels. A Encíclica publicada pelo Papa Leão XIII, representaria o que Siqueira (2013), chama de “manifesto do Vaticano” e o que para a autora, representou uma clara posição da Igreja Católica a favor dos interesses do grande capital.
Segundo a compreensão de Siqueira (2013), a concepção de pobreza a partir da Encíclica, trata-se de uma pobreza que deve ser aceita pacificamente, na medida em que não seja uma humilhação, sendo o pobre aquele sujeito que não deve envergonhar-se de sua condição, mas ter orgulho do pouco que possui através de seu trabalho. A solução para o problema da pobreza na sociedade, apontada pela Encíclica é a caridade, como um valor atribuído aos cristãos.
               
Em síntese, concebe-se a pobreza como “natural” produto das desigualdades e diferenças individuais, as capacidades e esforços diversos, o pobre como “classe inferior” “em situação de infortúnio e de miséria imerecida”, como “deserdados da fortuna” e a riqueza é entendida como “propriedade particular”, produto do esforço de cada um, constituindo um “direito natural” que é legitimado e sancionado pela lei dos homens e divinas e protegida pelo Estado. Assim as formas de enfrentar a pobreza sustentam-se na caridade e benevolência sinceras, em que o trabalhador e o pobre devem se resignar e aceitar com paciência a sua condição, evitando a “solução socialista”, o conflito de classes, mas buscando a conciliação entre elas, mediante o respeito de seus deveres como operário e como patrões. O fim é a manutenção da ordem, sendo o desafio e a missão para os ricos serem generosos e os pobres abnegados e sem inveja do patrimônio alheio”. (SIQUEIRA. 2013, p.116).

           
Ao Estado atribui-se a função de assegurar a propriedade privada, legitimada pela igreja como um direito natural, fruto de capacidades e esforços individuais. O Estado também tem a função de intervir e preservar a ordem social, numa tentativa de convencimento de uma neutralidade que não existe.
            Tratando agora sobre o Banco Mundial, este concebe a pobreza sob uma ótica multilateral, em um cenário no qual o avanço neoliberal atribui ao Estado uma intervenção mínima no social e máxima para o desenvolvimento do capital. Sob essa perspectiva, o Banco Mundial promove ações políticas de alívio da pobreza, através de mecanismos de ajuda internacional mediante transferências de capitais e tecnologias. Com isso, o Banco Mundial vem se tornando o principal promotor das políticas de combate à pobreza, sobretudo nos países periféricos.
             O relatório do Banco Mundial de 1990 trata da pobreza no mundo em desenvolvimento, logo tem um enfoque maior na população mais pobre entre as pobres, buscando a medição qualitativa e quantitativa da pobreza. O relatório da década de 90 classifica a pobreza com base na situação econômica, medida pelo (PNB) Produto Nacional Bruto ou renda per capita. Assim, os indicadores de renda irão conceituar a pobreza. Ainda nesse mesmo relatório, a estratégia do Banco Mundial para reduzir a pobreza, baseia-se na transferência de renda, atividades laborativas e promoção de atividades ligadas à assistência.
            Na década de 2000 a estratégia de redução da pobreza do BM é modificada, agora suas ações baseiam-se na promoção de oportunidades, autonomia e segurança dos pobres. Segundo Siqueira (2013), o relatório do BM de 2000/2001 amplia o seu conceito de pobreza, passando a considerar outros fatores que determinam a condição de pobreza. “A estratégia apresentada nesse relatório reconhece que a pobreza é mais do que renda ou desenvolvimento humano inadequado; é também vulnerabilidade, falta de voz, poder e representação”. (Siqueira, 2013, p.120). Diante disso, o Banco mundial passa a conceber a pobreza sob uma perspectiva multidimensional, supostamente mais abrangente que a visão econômica.
            Segundo Siqueira (2013), os documentos produzidos pelo Banco Mundial representam seus próprios objetivos, que são o de fomentar e promover as políticas de combate à pobreza em articulação com os governos mundiais dependentes de sua ajuda. O BM pretende identificar, quantificar e qualificar os pobres.
Com a proposta de construir um mundo sem pobreza, o BM na verdade a reforça, segundo Siqueira, incentivando a acumulação da riqueza socialmente produzida e com ela as contradições inerentes às dívidas públicas, às “soluções” emergenciais e temporárias das mais desumanas formas de vida, estruturadas pelos interesses da ideologia neoliberal.



Priscila Morais 

Referência: SIQUEIRA. Luana. Pobreza e serviço social: diferentes concepções e compromissos políticos. 1ª Ed. São Paulo: Cortez, 2013.




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