quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Os programas de enfrentamento à pobreza, como um direito universal ou como focalização?



As políticas de enfrentamento à pobreza no Brasil, desde seu surgimento, são marcadas por um caráter focalizador e emergencial. É possível afirmar que no Brasil, não houve ainda uma política universal de enfrentamento à pobreza. No tocante as políticas sociais recentes, essas se mostram incapazes de ultrapassar efetivamente a extrema pobreza.  Essas atuam de forma focalizada, seletiva e compensatória, junto a um público caracterizado como indigente, contrariando a universalização dos direitos sociais apoiados em práticas conservadoras que reafirmam propostas de refilantropização, sem referenciar objetivamente os direitos dos indivíduos sociais.

A compreensão de focalização nos programas sociais no Brasil e nos países subdesenvolvidos, correspondem a efetivação de reformas orientadas pelo pensamento neoliberal, que desenvolve medidas compensatórias de ajustes estruturais, junto a população em situação de pobreza, interrompendo a universalização dos direitos.

Sobre a focalização Silva e Silva (2007), defende algumas concepções, dentro do que cabe a presente discussão, destaca-se a seguinte: 





[...] Outra concepção se orienta por uma perspectiva neoliberal/ conservadora de focalização cujo objetivo é tão somente atenuar a pobreza. Orienta–se pela desresponsabilização do Estado e por corte de recursos dos programas sociais, centrando–se em programas sociais compensatórios, emergenciais, assistencialistas, insuficientes, descontínuos, direcionados para populações que vivem em situação de extrema pobreza. Essa focalização fragmenta mais que focaliza na população pobre por ser incapaz de alcançar a totalidade dos segmentos populacionais que estão demandando atenção especial. (Silva e Silva, 2007).





A focalização que orienta o Programa Bolsa Família, um de seus critérios mais problemáticos é a elegibilidade hostilizada para a inclusão das famílias. Pois além da centralidade na renda, para classificar as famílias como pobres ou extremamente pobres, o nível de renda indicado para a inclusão no programa é muito baixo. O limite da renda per capita da família deve ser de R$ 70 para ter acesso ao benefício, isso demonstra o quão severa deve ser a condição dos indivíduos para serem incluídos no programa, limitando muitas vezes a participação de famílias cuja renda ultrapassa minimamente a quantia estabelecida, mas que necessitam ser inseridas no programa, devido a suas condições indignas de sobrevivência.

Com isso, ainda que o programa consiga atingir todas as famílias brasileiras, com renda per capita mensal de ¼ do salário mínimo, o programa ainda fica limitado à parcela da população considerada extremamente pobre. Sem contar que o valor mínimo da transferência monetária, por família é em média de R$70, o que mantém estas em um nível de extrema pobreza, com poucas possibilidades de autonomia e oportunidades concretas de inserção em políticas estruturantes, como uma política de trabalho/emprego, e também pela vivência de situações decorrentes das próprias condições de vida da população atendida pelo programa, como o baixo nível de escolaridade, limitado acesso a informações, de onde decorre a falta de compreensão de si mesmo como um sujeito social de direito, e o baixo nível de qualificação profissional.

 Nesse sentido de afastamento da confirmação dos direitos sociais, o neoliberalismo propõe serviços de ajuda aos pobres, porém referenciando o pensamento de pobreza política de Pedro Demo (2007), esses pobres possuem uma enorme dificuldade de compreender as políticas públicas como um direito humano legitimo. Nesta ordem, o principio das políticas de proteção social pactuantes com o ideário neoliberal, defendido atualmente, obedece a um discurso filantrópico/humanitário, limitando-se a um determinado público, fazendo uma seleção minuciosa, separando os pobres dos mais pobres, evidenciando a falta de uma política baseada em direitos, dentro de uma lógica que subordina as políticas sociais às políticas econômicas, criando um perfil despolitizado, refilantropizado e privatizado da política social brasileira.

No tocante as condicionalidades impostas para a permanência dos usuários do Bolsa Família no programa, é possível observar que a medida em que este determina as condicionalidades para o recebimento do benefício, há um distanciamento da ótica dos direitos, pois a imposição de contrapartidas, condicionalidades ou exigências não devem ser impostas dentro do âmbito de um direito social, uma vez que, a condição de ser humano já lhe atribui o quesito de direitos. No entanto, a responsabilidade de garantia e provisão dos serviços impostos nas condicionalidades do programa, como a garantia de escola, assistência em saúde e alimentação, compete às instâncias dos poderes públicos e não as famílias como tem sido.





As condicionalidades deveriam ser impostas ao Estado, nos seus três níveis e não às famílias, visto que implicam e demandam a expansão e a democratização de serviços sociais básicos de boa qualidade, que uma vez disponíveis seriam utilizados por todos, sem necessidade de imposição e obrigatoriedade. Entendo que o que poderia ser desenvolvido seriam ações educativas, de orientação, encaminhamento e acompanhamento das famílias para a adequada utilização dos serviços disponíveis. Assim concebidas, as condicionalidades, ao contrário de restrições, imposições ou obrigatoriedades, significariam ampliação de direitos sociais. (Silva e Silva, 2007).







Dessa forma, os usuários do programa não deveriam ser punidos pelo descumprimento das condicionalidades, com a exclusão do programa, pois a responsabilidade do cumprimento das condicionalidades, impostas como um falso direito deve ser dos organismos governamentais.

O caráter legal de universalização dos programas de enfrentamento à pobreza do governo, a exemplo do PBF está bastante distante de sua efetivação na realidade social, a qual estes se propõem a atender, visto que o programa não garante o acesso amplo ao benefício, pois há um limite máximo de famílias a serem favorecidas por município, assim o preenchimento da conta impossibilita a inserção de novas famílias, ainda que essas estejam em situação de extrema vulnerabilidade social. Logo, o programa não garante o benefício a todos que dele necessitam, pelo contrário, adota uma excludente seletividade, visto que algumas famílias não são incluídas no programa mesmo que necessitem com urgência do benefício, por viverem em situação de miséria.

Diante disso, Zimmermann (2006), coloca que:





A lógica do Programa está fundamentada no discurso humanitário da ajuda e da assistência ao invés do provimento de direitos. Na concepção dos direitos, o Bolsa Família deve garantir o acesso ao Programa e ao direito humano à alimentação como um direito de todas as pessoas elegíveis, sendo necessária a possibilidade de provisão dos benefícios a todos aqueles que estão em estado de vulnerabilidade. Da mesma forma, não deve haver a provisão de um tempo máximo de acessibilidade ao Programa, ao contrário, o mesmo deve ser concebido para atender as pessoas enquanto houver um quadro de vulnerabilidade, se necessário, a vida toda. (Zimmermann, 2006).







Sob a perspectiva de direito, os programas sociais brasileiros, devem ser articulados e formulados de modo universal, além disso, estes devem garantir mecanismos de acesso para as famílias que dele necessitam, de forma menos burocrática e constrangedora, no sentido de garantir direitos àqueles que são portadores de direitos nato, pela sua natural condição de ser pessoa.

Os impactos dos Programas de Transferência de Renda sobre a redução da desigualdade e da pobreza no Brasil, demonstra que o Programa Bolsa Família é  focalizado nas famílias pobres brasileiras e tem sido capaz apenas melhorar a situação de vida dessas famílias, sem, contudo, retirá–las do nível de pobreza em que se encontram e sem considerar as pessoas que vivem em situação de rua e ficam a margem da sociedade. É evidente que esses programas amenizam, mas não superam a pobreza, melhoram a situação vivenciada pelas famílias pobres, porém não ultrapassam a denominada linha de pobreza. Em relação aos direitos sociais, os programas apresentam alguns obstáculos, como a imposição e a possível exclusão, determinada pelo não cumprimento das condicionalidades postas às famílias beneficiárias. Essas imposições, segundo Zimmermann (2006), se constituem como uma grave violação dos direitos humanos, de forma que um direito humano não pode estar associado ao cumprimento de exigências e outras formas de conduta.

Sobre o Plano Brasil Sem Miséria, considerando seu curto tempo de implementação não é possível fazer uma análise mais detalhada de seus resultados, o que se pode compreender é que se trata de uma política de governo voltada para minimizar a extrema pobreza, por meio do repasse de uma bolsa de valor irrisório. Trata-se basicamente de uma reatualização do modelo de políticas do governo (FHC) com o auxilio de bolsas.

 Segundo Silva e Silva (2007), para que o quadro de pobreza possa ser progressivamente superado, é necessário que esses programas possam não só distribuir, mas sejam capazes de redistribuir renda entre a população brasileira, de modo a alterar o nível de concentração da riqueza socialmente produzida. No entanto, para isso, é preciso considerar, que para alcançar essa intencionalidade, ocorram mudanças significativas no sistema educacional, de saúde e de trabalho, para permitir a melhoria do ensino, do atendimento à saúde e do acesso e permanência no trabalho, o que também demanda continuidade e sustentabilidade dos programas.

Priscila Morais



Referências:



DEMO, Pedro. Pobreza política. Campinas: Autores Associados, 2001. 

SILVA e SILVA. Ozanira: O Bolsa Família: problematizando questões centrais na política de transferência de renda no Brasil. IN: Ciência Saúde Coletiva (06). Rio de Janeiro. 2007.


ZIMMERMANN. Clóvis Roberto. Os programas sociais sob a ótica dos direitos humanos: o caso do Bolsa Família do Governo Lula no Brasil. IN: Direitos Humanos (04). São Paulo. 2006.





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