As políticas de enfrentamento à
pobreza no Brasil, desde seu surgimento, são marcadas por um caráter
focalizador e emergencial. É possível afirmar que no Brasil, não houve ainda
uma política universal de enfrentamento à pobreza. No tocante as políticas
sociais recentes, essas se mostram incapazes de ultrapassar efetivamente a
extrema pobreza. Essas atuam de forma focalizada,
seletiva e compensatória, junto a um público caracterizado como indigente,
contrariando a universalização dos direitos sociais apoiados em práticas
conservadoras que reafirmam propostas de refilantropização, sem referenciar
objetivamente os direitos dos indivíduos sociais.
A compreensão de focalização nos
programas sociais no Brasil e nos países subdesenvolvidos, correspondem a
efetivação de reformas orientadas pelo pensamento neoliberal, que desenvolve
medidas compensatórias de ajustes estruturais, junto a população em situação de
pobreza, interrompendo a universalização dos direitos.
Sobre a focalização Silva e Silva
(2007), defende algumas concepções, dentro do que cabe a presente discussão,
destaca-se a seguinte:
[...] Outra concepção se orienta
por uma perspectiva neoliberal/
conservadora de focalização cujo objetivo é tão somente atenuar a
pobreza. Orienta–se pela desresponsabilização do Estado e por corte de recursos
dos programas sociais, centrando–se em programas sociais compensatórios,
emergenciais, assistencialistas, insuficientes, descontínuos, direcionados para
populações que vivem em situação de extrema pobreza. Essa focalização fragmenta
mais que focaliza na população pobre por ser incapaz de alcançar a totalidade
dos segmentos populacionais que estão demandando atenção especial. (Silva e
Silva, 2007).
A focalização que orienta o
Programa Bolsa Família, um de seus critérios mais problemáticos é a
elegibilidade hostilizada para a inclusão das famílias. Pois além da
centralidade na renda, para classificar as famílias como pobres ou extremamente
pobres, o nível de renda indicado para a inclusão no programa é muito baixo. O
limite da renda per capita da família deve ser de R$ 70 para ter acesso ao
benefício, isso demonstra o quão severa deve ser a condição dos indivíduos para
serem incluídos no programa, limitando muitas vezes a participação de famílias
cuja renda ultrapassa minimamente a quantia estabelecida, mas que necessitam
ser inseridas no programa, devido a suas condições indignas de sobrevivência.
Com isso, ainda que o programa
consiga atingir todas as famílias brasileiras, com renda per capita mensal de ¼
do salário mínimo, o programa ainda fica limitado à parcela da população
considerada extremamente pobre. Sem contar que o valor mínimo da transferência
monetária, por família é em média de R$70, o que mantém estas em um nível de
extrema pobreza, com poucas possibilidades de autonomia e oportunidades
concretas de inserção em políticas estruturantes, como uma política de trabalho/emprego,
e também pela vivência de situações decorrentes das próprias condições de vida
da população atendida pelo programa, como o baixo nível de escolaridade,
limitado acesso a informações, de onde decorre a falta de compreensão de si
mesmo como um sujeito social de direito, e o baixo nível de qualificação
profissional.
Nesse sentido de afastamento da confirmação
dos direitos sociais, o neoliberalismo propõe serviços de ajuda aos pobres,
porém referenciando o pensamento de pobreza política de Pedro Demo (2007),
esses pobres possuem uma enorme dificuldade de compreender as políticas
públicas como um direito humano legitimo. Nesta ordem, o principio das
políticas de proteção social pactuantes com o ideário neoliberal, defendido
atualmente, obedece a um discurso filantrópico/humanitário, limitando-se a um
determinado público, fazendo uma seleção minuciosa, separando os pobres dos
mais pobres, evidenciando a falta de uma política baseada em direitos, dentro
de uma lógica que subordina as políticas sociais às políticas econômicas,
criando um perfil despolitizado, refilantropizado e privatizado da política
social brasileira.
No tocante as condicionalidades
impostas para a permanência dos usuários do Bolsa Família no programa, é
possível observar que a medida em que este determina as condicionalidades para
o recebimento do benefício, há um distanciamento da ótica dos direitos, pois a
imposição de contrapartidas, condicionalidades ou exigências não devem ser
impostas dentro do âmbito de um direito social, uma vez que, a condição de ser
humano já lhe atribui o quesito de direitos. No entanto, a responsabilidade de
garantia e provisão dos serviços impostos nas condicionalidades do programa,
como a garantia de escola, assistência em saúde e alimentação, compete às instâncias
dos poderes públicos e não as famílias como tem sido.
As condicionalidades deveriam ser
impostas ao Estado, nos seus três níveis e não às famílias, visto que implicam
e demandam a expansão e a democratização de serviços sociais básicos de boa qualidade,
que uma vez disponíveis seriam utilizados por todos, sem necessidade de
imposição e obrigatoriedade. Entendo que o que poderia ser desenvolvido seriam
ações educativas, de orientação, encaminhamento e acompanhamento das famílias
para a adequada utilização dos serviços disponíveis. Assim concebidas, as
condicionalidades, ao contrário de restrições, imposições ou obrigatoriedades,
significariam ampliação de direitos sociais. (Silva e Silva, 2007).
Dessa forma, os usuários do
programa não deveriam ser punidos pelo descumprimento das condicionalidades,
com a exclusão do programa, pois a responsabilidade do cumprimento das
condicionalidades, impostas como um falso direito deve ser dos organismos
governamentais.
O caráter legal de
universalização dos programas de enfrentamento à pobreza do governo, a exemplo
do PBF está bastante distante de sua efetivação na realidade social, a qual
estes se propõem a atender, visto que o programa não garante o acesso amplo ao
benefício, pois há um limite máximo de famílias a serem favorecidas por
município, assim o preenchimento da conta impossibilita a inserção de novas
famílias, ainda que essas estejam em situação de extrema vulnerabilidade
social. Logo, o programa não garante o benefício a todos que dele necessitam,
pelo contrário, adota uma excludente seletividade, visto que algumas famílias
não são incluídas no programa mesmo que necessitem com urgência do benefício,
por viverem em situação de miséria.
Diante disso, Zimmermann (2006),
coloca que:
A lógica do Programa está
fundamentada no discurso humanitário da ajuda e da assistência
ao invés do provimento de direitos. Na concepção dos direitos, o Bolsa Família
deve garantir o acesso ao Programa e ao direito humano à alimentação como um
direito de todas as pessoas elegíveis, sendo necessária a possibilidade de
provisão dos benefícios a todos aqueles que estão em estado de vulnerabilidade.
Da mesma forma, não deve haver a provisão de um tempo máximo de acessibilidade
ao Programa, ao contrário, o mesmo deve ser concebido para atender as pessoas
enquanto houver um quadro de vulnerabilidade, se necessário, a vida toda.
(Zimmermann, 2006).
Sob a perspectiva de direito, os
programas sociais brasileiros, devem ser articulados e formulados de modo
universal, além disso, estes devem garantir mecanismos de acesso para as
famílias que dele necessitam, de forma menos burocrática e constrangedora, no
sentido de garantir direitos àqueles que são portadores de direitos nato, pela
sua natural condição de ser pessoa.
Os impactos dos Programas de
Transferência de Renda sobre a redução da desigualdade e da pobreza no Brasil,
demonstra que o Programa Bolsa Família é
focalizado nas famílias pobres brasileiras e tem sido capaz apenas
melhorar a situação de vida dessas famílias, sem, contudo, retirá–las do nível
de pobreza em que se encontram e sem considerar as pessoas que vivem em
situação de rua e ficam a margem da sociedade. É evidente que esses programas
amenizam, mas não superam a pobreza, melhoram a situação vivenciada pelas famílias
pobres, porém não ultrapassam a denominada linha de pobreza. Em relação aos
direitos sociais, os programas apresentam alguns obstáculos, como a imposição e
a possível exclusão, determinada pelo não cumprimento das condicionalidades
postas às famílias beneficiárias. Essas imposições, segundo Zimmermann (2006),
se constituem como uma grave violação dos direitos humanos, de forma que um
direito humano não pode estar associado ao cumprimento de exigências e outras
formas de conduta.
Sobre o Plano Brasil Sem Miséria,
considerando seu curto tempo de implementação não é possível fazer uma análise
mais detalhada de seus resultados, o que se pode compreender é que se trata de
uma política de governo voltada para minimizar a extrema pobreza, por meio do
repasse de uma bolsa de valor irrisório. Trata-se basicamente de uma
reatualização do modelo de políticas do governo (FHC) com o auxilio de bolsas.
Segundo Silva e Silva (2007), para que o
quadro de pobreza possa ser progressivamente superado, é necessário que esses
programas possam não só distribuir,
mas sejam capazes de redistribuir
renda entre a população brasileira, de modo a alterar o nível de concentração
da riqueza socialmente produzida. No entanto, para isso, é preciso considerar,
que para alcançar essa intencionalidade, ocorram mudanças significativas no
sistema educacional, de saúde e de trabalho, para permitir a melhoria do
ensino, do atendimento à saúde e do acesso e permanência no trabalho, o que
também demanda continuidade e sustentabilidade dos programas.
Priscila Morais
Referências:
DEMO, Pedro. Pobreza política.
Campinas: Autores Associados, 2001.
SILVA e SILVA. Ozanira: O Bolsa Família: problematizando questões centrais na política de
transferência de renda no Brasil. IN: Ciência Saúde Coletiva (06). Rio de
Janeiro. 2007.
ZIMMERMANN. Clóvis Roberto. Os programas sociais sob a ótica dos direitos humanos: o caso do Bolsa
Família do Governo Lula no Brasil. IN: Direitos Humanos (04). São Paulo.
2006.
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