sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Política e Política Social

Política
  Denomina-se política a ciência de bem governar um povo, constituído em Estado. Em um Estado democrático, essa governabilidade é exercida pelo poder público, via representantes conduzidos ao poder, direta ou indiretamente, pelo povo.
Assim, a política tem como objetivo estabelecer os princípios que se mostrem indispensáveis à realização de um governo, tanto mais perfeito, quanto seja o desejo de conduzir o Estado ao cumprimento de suas precípuas finalidades, isto é, em melhor proveito dos governados.
A política mostra o corpo de doutrinas, indispensáveis, ao bom governo de um povo, dentro das quais devem ser estabelecidas as normas jurídicas necessárias ao bom funcionamento das instituições administrativas do Estado.
Quando o Estado busca, em suas realizações, o atendimento a necessidades sociais básicas da população, seja através de garantias e ações concernentes à assistência social, saúde, educação, segurança etc., verifica-se a implementação e efetivação da política social por parte daquele.
Neste raciocínio, política e política social representam atuações do poder político visando o bem-estar da população. Entretanto, analisados desta forma, estes conceitos perdem sua historicidade e, fundamentalmente, seu conteúdo de classe social.
O que determina as doutrinas, as normas jurídicas, e o funcionamento das instituições administrativas do Estado, emana de uma concepção da relação indivíduo-sociedade fundamentada numa perspectiva positivista, de uma ordem natural, onde a existência das diferenças e das desigualdades sociais apresentam-se como fenômenos inerentes à natureza humana. Daí que teríamos pessoas mais capazes de definir o “bem comum”, e outras, que por suas incapacidades naturais, devem se submeter ao saber dominante.
Entretanto, o que temos é uma sociedade capitalista, que não corresponde a uma ordem natural de produção da vida social – já tivemos a forma escravista, ou a forma feudal, como temos, ainda que causa de profundos debates acadêmicos e políticos, a forma socialista.
No modo capitalista de produção da vida social, a classe capitalista detém os poderes político e econômico, determinando, assim, toda a vida social. Há que se considerar que numa sociedade capitalista democrática, alguns aspectos da vida social são decididos coletivamente, fundamentalmente aquelas decisões que não impliquem em mudanças substanciais no modo de produção. Um modo de produção que se funda na desigualdade e na exploração da força de trabalho. Um modo de produção onde a política é a política definida pelas classes dominantes e que responde aos interesses desta. A política social não foge a esta regra.

Política Social
A política social é uma política, própria das formações econômico-sociais capitalistas contemporâneas, de ação e controle sobre as necessidades sociais básicas das pessoas não satisfeitas pelo modo capitalista de produção. É uma política de mediação entre as necessidades de valorização e acumulação do capital e as necessidades de manutenção da força de trabalho disponível para o mesmo. Nesta perspectiva, a política social é uma gestão estatal da força de trabalho e do preço da força de trabalho. Ressaltamos que entendemos, por força de trabalho todos os indivíduos que só têm a sua força de trabalho para vender e garantir sua subsistência, independente de estarem inseridos no mercado formal de trabalho.
Como o capital e o trabalho se constituem nas duas categorias fundamentais do modo capitalista de produção, a política social transita entre ambos. Ou seja, ainda que, prioritariamente, respondendo às necessidades do capital, esta resposta deve produzir algum grau de satisfação às necessidades do trabalho.
Portanto, há uma problematicidade na política social, dado que ela se insere no âmbito da tentativa de buscar um certo grau de compatibilidade entre o capital e o trabalho.
Inicialmente, os beneficiários diretos da política social, em prática no Brasil, seriam os trabalhadores assalariados. Porém, o Estado, ao garantir à camada necessitada alguns direitos sociais que ele mesmo impôs (através das normas jurídicas), exige que, para tanto, seja efetuada uma contraprestação por parte dos trabalhadores.
Esclarecendo: a política social, de qualquer forma que seja manifestada, é garantida e efetivada apenas com o custeio dos próprios beneficiários, ou seja, dos trabalhadores assalariados.
Tal custeio é imposto ao trabalhador ante a justificativa de ser ele o mantenedor de todo um conjunto de “benefícios concedidos” pelo Estado em prol da classe trabalhadora. Vislumbramos alguns exemplos: ao garantir a previdência (desconto do INSS sobre os vencimentos), e o direito a um serviço de saúde mais eficiente (cobrança da CPMF sobre a movimentação bancária).
No entanto, quando o poder público mantém uma política social como a que se encontra vigente, contrariamente ao que aparenta, sua intenção não é a de propiciar uma vida digna à força de trabalho, mas, na realidade, está o Estado incluindo um plus na remuneração do empregado, porém, não em espécie.
Com isso, observa-se ações governamentais que garantem um mínimo de subsistência ao empregado, o que, conseqüentemente, reflete no preço da força de trabalho que a ele é pago pelo empregador.
Outrossim, com a política social implantada pelo Estado e garantida ao trabalhador, torna-se possível a perpetuação deste último, despendendo-se um mínimo em dinheiro pela classe empregadora, possibilitando-se, de efeito, um aumento em sua margem de lucro.
Todo o recurso que é apropriado pelo Estado, quando este visa garantir o bom funcionamento da política social, por ser gerenciado pelo próprio poder público, não se torna necessária e obrigatória a utilização do montante arrecadado em sua totalidade, já que, para dar ensejo às garantias asseguradas ao trabalhador assalariado, objetiva-se um serviço, ao menos, satisfatório.
Ocorre que a preocupação primordial do Estado (leia-se: os detentores e gerenciadores do capital, ora auxiliados pelo Governo) é assegurar a perpetuação da força física trabalhadora e, para isso, desnecessário priorizar a destinação dos recursos financeiros arrecadados em benefício dos empregados.
Com tal política (latu sensu) adotada, torna-se por ideal o investimento do capital recolhido em benefício da classe empregadora, perpetuando-se, portanto, essa apropriação pecuniária, diga-se de passagem, quase que imperceptível aos menos instruídos, onde figura como parte prejudicada a grande massa de trabalhadores.
Não se exige um gerenciamento eficaz dos recursos arrecadados perante a classe de empregados, mas sim uma reciprocidade por parte do Estado via serviços e garantias (não necessariamente exemplares), de cunho social, a fim de que esteja garantida, como foi dito anteriormente, a mantença da força física do trabalhador, por prazo de tempo razoável, em um Estado que satisfaça as exigências de um regime de produção capitalista, ora em uma economia neoliberal.
Objetiva a política social posta (iniciada na ditadura militar de 1964) transferir parte do preço da força de trabalho que é devido ao empregado para outros fins, visando, principalmente, o investimento no capital privado lucrativo. Vide exemplos como o rombo de mais de R$ 40 bilhões na previdência social, onde o Estado (em especial os governos militares), ao seu bel prazer, utilizou-se dos recursos disponíveis desvairadamente, tendo como beneficiário prioritário a iniciativa privada, obedecendo, claro, os interesses estatais (que não inclui, necessariamente, os interesses sociais dos trabalhadores).
O raciocínio aqui exposto é facilmente comprovado tomando como exemplos outros casos de malversação dos recursos públicos visando interesses do capital privado (vide o PROER e os investimentos a grandes grupos estrangeiros efetuados pelo BNDES).
Isto posto, denota-se uma verdadeira contradição entre os relevantes fins objetivados pela real política social, em oposição àqueles alcançados pela vigente política maniqueísta implementada, e eficazmente, utilizada pelo Estado, e maquiada sob o rótulo de “social”.
Não menos vislumbrante é o vergonhoso fato, e a priori, carregado de obviedade (considerando-se as explanações acima), de que o controle legal do preço da força de trabalho, e a perpetuação da subordinação do trabalhador (ambos os casos mantidos pela política social atual) são custeados, sob o aspecto econômico, por toda a sociedade, sendo tal injusta situação quase que imperceptível por grande parte da população, incluindo-se aí não somente os leigos por má formação nos bancos escolares, mas, também, os ditos críticos e formadores de opinião, dantes privilegiados pelo grau de instrução de que são detentores, que até o presente não despertaram e visualizaram objeto do estudo aqui apresentado, visto a notável evidência política manipuladora, institucional e legalmente, imposta por este Estado.
A política e a política social, portanto, apresentam claro e inequívoco conteúdo de classe social, e respondem, em última instância, aos interesses das classes dominantes. Isto não significa que se deve, neste momento histórico, negar uma ou outra – ou ambas. O que é fundamental é o fortalecimento daqueles que se encontram fora dos processos decisórios que se dão, em última instância, no âmbito político. Os espaços políticos já existentes – sindicatos, associações, conselhos – e a busca incessante de criação de novos espaços de participação, podem se constituir em um caminho possível de fortalecimento dos indivíduos para que reconheçam sujeito coletivo e imponham mudanças importantes em ambas as políticas, mudanças estas que venham a favorecer a maioria da população. 
 O presente artigo constitui-se em resultado parcial da Pesquisa: Delimitação legal do preço da força de trabalho – Brasil, 1988/1998; financiada pela CPG/UEL.
  Docente do Departamento de Serviço Social – UEL; Doutora em Serviço Social pela PUC/SO; Coordenadora da Pesquisa.
  Aluno do 4o. ano do Curso de Direito da UEL; colaborador acadêmico da pesquisa.



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