segunda-feira, 31 de março de 2014

NENHUMA MULHER MERECE SER ESTUPRADA! A CULPA NUNCA É DA VÍTIMA!

Quando leio essa pesquisa feita pelo IPEA, na qual, cerca de 65% da população brasileira acredita que a vítima de um estupro é a culpada pela violência que sofreu, chego a sentir asco... Não consigo (ou não gostaria) de acreditar que as pessoas realmente pensam assim. Uma mulher que anda de sainha pela rua, não está com dizeres do tipo: "quero ser estuprada" estampado na testa! Será que não somos livres nem para escolher como devemos nos vestir? Será mesmo que a roupa que usamos diz tanto assim sobre o que somos, enquanto ser humano? Nem classifico isso como machismo, classificaria como doença, algo como uma aberração social. NENHUMA MULHER MERECE SER ESTUPRADA! A CULPA NUNCA É DA VÍTIMA!

O blog Serviço Social & Cotidiano faz parte dos 35% e  adere totalmente essa campanha.

Quem quiser enviar fotos para serem postadas nesse blog, entre em contato através dos comentário.


quarta-feira, 26 de março de 2014

Serviço Social e Marxismo

TEXTO EXTRAÍDO DA REVISTA KATÁLYSIS

TÍTULO ORIGINAL:  MARX, MARXISMO E SERVIÇO SOCIAL

POR MARIA AUGUSTA TAVARES

TAVARES, Maria Augusta. Marx, Marxismo e Serviço Social. João Pessoa, 2013.




Trazer ao debate os "marxismos" no Serviço Social significa enfrentar deformações, distorções, extravios, derivações, revisões e reducionismos sofridos pelo pensamento de Marx no curto período em que esse diálogo foi incorporado aos conteúdos da formação profissional do assistente social. Contudo, iniciar destacando tais consequências não implica ignorar o enriquecimento que a assimilação desse pensamento tem possibilitado ao Serviço Social. Não seria exagero dizer que, graças a essa opção teórico-metodológica, a empreitada de se opor à hegemonia das classes dominantes, na academia, tornou-se quase unicamente do Serviço Social, tanto que o curso é, hoje, o refúgio de filósofos, economistas, educadores e de outros profissionais que querem uma ruptura radical com o legado positivista.

Reconhecer, aqui e agora, a qualidade dos grandes intelectuais marxistas vinculados ao Serviço Social, cuja produção intrinsecamente crítica tornou-se referência nas Ciências Sociais, seria uma tarefa fácil. Porém, a menção ao marxismo no plural - marxismos - não deixa dúvida sobre o propósito do convite feito pela Revista Katálysis. Cabe a mim, portanto, na perspectiva do "conhecimento totalizante" (WOOD; FOSTER, 1999), a difícil tarefa de sintetizar o que importantes pesquisadores já demonstraram ao se debruçarem sobre este mesmo tema. Nesse sentido, antes de enveredar na especificidade, recorro a Netto (1989), cuja contribuição é fundamental para que se compreendam os desdobramentos da aproximação do Serviço Social à tradição marxista. Há, segundo Netto, um "antagonismo genético" entre o pensamento de Marx e o Serviço Social, mas, ao mesmo tempo, os "quadros macroscópicos inclusivos e abrangentes da sociedade burguesa" lhes constituem um piso comum, sendo ambos "impensáveis fora do âmbito da sociedade burguesa". Sob perspectivas diferentes, tanto o Serviço Social quanto o marxismo têm a "questão social" como substrato. Mas, enquanto o Serviço Social "surge vocacionado para subsidiar a administração da 'questão social' nos quadros da sociedade burguesa", a questão social é, para Marx, "um complexo absolutamente indivorciável do capitalismo". Assim, essa relação diversa com um mesmo substrato tem um "papel pouco significativo, se comparado com o que os distingue". Com isso, o autor não exclui possibilidades de interlocução entre o Serviço Social e o pensamento de Marx, mas demonstra, através do movimento que os incompatibiliza, implicações que "desenham um cenário de excludência" no plano teórico. Sobretudo ao se levar em conta que a "profissão se institucionaliza e se afirma nutrindo-se de um conjunto de saberes ancorados numa vertente teórica (a do pensamento conservador) antagônica à marxista."

O diálogo entre setores do Serviço Social e a tradição marxista inicia-se na década de 1960, no interior de um movimento social que não é exclusivo ao Brasil, tampouco à profissão. À época, além da pressão dos movimentos revolucionários e da rebelião estudantil, especialmente na França (1968), a universidade brasileira não escapa, também, às influências internas do golpe militar de 1964. É nesse contexto que emerge a Reconceitualização do Serviço Social na América Latina - processo que questiona o significado da ação profissional e, por conseguinte, introduz o marxismo nos conteúdos da formação profissional - com repercussões e derivações do pensamento de Marx que se colocam na agenda profissional até hoje. Materializado na disciplina Metodologia do Serviço Social, esse conteúdo foi formalmente inserido na formação profissional, em 1982, num ambiente marcado por lutas internas, que opunham pensamento conservador e pensamento crítico. Evidentemente, a opção pela nova perspectiva carecia de aproximação às fontes marxianas e aos clássicos da tradição marxista, mas não é o que a realidade comprova. Ao contrário, a pesquisa de Quiroga (2000, p. 138) demonstra que havia, e ainda há, diferentes compreensões do marxismo. Nas derivações apontadas, Quiroga distingue:


[...] um Marx que agiganta a determinação do fator econômico como elemento único, gerador do desenvolvimento da sociedade; um Marx que supervaloriza o papel das classes, de sua luta, do significado do sujeito construindo sua história, desvinculado da base material que o sustenta; um Marx que é 'metodológico' na própria acepção positivista, ou seja, que se reduz ao método; um Marx atrofiado à sua dimensão de cientista social 'investigador' da sociedade, desligado de sua convicção da necessidade de transformação desta.
A aproximação do Serviço Social à tradição marxista realizou-se "sob exigências teóricas muito reduzidas - as requisições que a comandavam foram de natureza sobretudo ideopolítica, donde um cariz fortemente instrumental nessa interlocução" (NETTO, 1989, p. 97). Quiroga esclarece que a maioria dos docentes por ela entrevistados não teve acesso aos textos originais de Marx, sendo a formação deles liderada pelo pensamento de Althusser, cuja reflexão epistemológica atribui primazia ao sujeito no processo científico. Em O estruturalismo e a miséria da razão, Coutinho (2010, p. 175-176) afirma que "Althusser e sua escola pretendem apresentar o estruturalismo (ou a sua versão particular dele) como o resultado de uma 'leitura' correta de Marx". E retruca: "sob o pretexto de 'redescoberta' do verdadeiro Marx, pratica-se uma destruição objetiva da essência da herança marxista e sua substituição, consciente ou inconsciente, por uma filosofia burguesa da moda."

Não diria que a opção do Serviço Social por Althusser tenha tido a pretensão consciente ou inconsciente de uma "redescoberta" do verdadeiro Marx, mesmo porque, como fora atestado, a maioria dos docentes nem lera Marx. Entretanto, apesar da aproximação enviesada, o Serviço Social assimilou elementos isolados do pensamento de Marx que respondem por uma indignação hegemônica na profissão, distinguível da ideia de hegemonia marxista. Esta é falsa e, a meu ver, explica o ecletismo.

À semelhança de Netto (1989, p. 100-101), penso que há uma centralização do debate que precisa ser enfrentada. Nas suas palavras:


[...] inclino-me a pensar que o debate está centralizado por profissionais vinculados à tradição marxista (ou a ela próximos) 'porque a efetiva diferenciação da categoria não está sendo explicitada'. Nesta eventualidade, a polêmica pode esvaziar-se, dado que distintos protagonistas, representantes de outras tendências, não se fazem ouvir - e a perda é coletiva, posto que não ocorra um confronto de ideias aberto, marxistas e não marxistas deixam de estimular-se reciprocamente no terreno privilegiado que é o do enfrentamento ideal.
Em tese, todo assistente social é marxista. Onde reside a dificuldade de serem assumidas as diferenças? A mim parece mais apropriado dizer que o Serviço Social é a profissão que mais reúne seres humanos indignados, mas isso não faz de todos marxistas. Ressaltaria que a formação desse profissional, apesar dos enormes avanços, ainda não conseguiu acumular os recursos intelectuais necessários para que essa indignação se constitua na ponte que conecte todos os assistentes sociais ao "conhecimento totalizante". Daí os muitos marxismos, os quais não permitem aspirar a uma oposição unificada contra o capitalismo.

Além dos vieses aludidos, é difícil ao Serviço Social, pelo seu caráter interventivo, escapar ao ativismo, que tende a se subordinar a ideologias positivistas. Analisando "a estreiteza estalinista", Coutinho (2010, p. 180), demonstra como "inúmeros marxistas sinceros" combateram a herança de Marx e colocaram no seu lugar "as mais passageiras 'modas' do pensamento da decadência."

No Brasil, sobretudo na era Lula, na qual a sutileza de iniciativas contraditórias tece a "apologia do novo desenvolvimentismo" (MOTA, 2012), constitui o maior desafio para o Serviço Social analisar esse momento histórico. Estariam os profissionais capacitados a essa análise sem capitular ao irracionalismo? Ana Elizabete Mota, que conhece essa matéria bem mais que eu, reafirma na profissão a condição de protagonista de um projeto profissional calcado em valores, princípios e diretrizes inerentes a um dado projeto societal: uma sociedade emancipada e radicalmente humana. Nesse sentido, convém que se invista permanentemente em uma formação fundada em Marx e na tradição marxista.

Findo aqui, não por haver terminado, mas pelos meus próprios limites e por falta de espaço. Com os sinceros agradecimentos à Revista Katálysis, deixo os leitores com os artigos que compõem este número da revista e com a tarefa de pensar que há uma sociedade a ser transformada.

domingo, 23 de março de 2014

7º Seminário Anual de Serviço Social


 DIVULGANDO

Formação e Trabalho profissional do Assistente Social nos marcos do capitalismo contemporâneo: resistência, conquistas e desafios cotidianos. 

CLIQUE AQUI: http://www.cortezeditora.com.br/7seminario/7seminario.html

sexta-feira, 14 de março de 2014

A Seguridade Social no enfrentamento à pobreza






Considerando-se o período da história do Brasil que se inicia nos anos de 1930, constata-se que, as formas de enfrentamento pobreza existentes eram isoladas, por categorias profissionais. Os trabalhadores que mantinham vínculo formal empregatício eram assistidos pela proteção social, já a parcela da população empobrecida que se encontrava desempregada ficava a mercê da LBA (Legião Brasileira de Assistência) ou de práticas de caridade exercidas por instituições filantrópicas ou religiosas.

O Sistema de proteção Social brasileiro foi ampliado no período ditatorial, através do surgimento de movimentos sociais e sindicatos desvinculados do Estado, que lutaram para ampliar e universalizar os direitos sociais, o que resultou na elaboração e aprovação da Constituição Federal de 1988, que, com efeito, resultou na ampliação do conceito de Seguridade Social no Brasil. Segundo Simões (2009), a Seguridade Social foi estabelecida pela Constituição de 1988. Antes do conceito de seguridade em 88, havia o conceito de Seguro Social no país que datava da Constituição anterior, a de 1934, este conceito foi criado no âmbito da política trabalhista e previdenciária do governo de Getúlio Vargas. A Seguridade Social tem como propósito, garantir a atenção das necessidades mínimas da vida da população, em face das contradições sociais e econômicas.

A Constituição é marco central para analisar a evolução recente da proteção social no Brasil. Esta alterou o quadro da proteção social com expressivos impactos, tanto em termos de ampliação da cobertura, como em termos redistributivos. A Constituição de 1988 possibilitou novas bases para o atual sistema de proteção social brasileiro que definiu a seguridade social e reconheceu os direitos sociais da classe subalternizada. Em seu artigo 194, a Constituição define seguridade social como: “um conjunto integrado de ações de iniciativa do poder público e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, a assistência e a previdência social.”

            A concepção de seguridade social definida na Constituição brasileira contempla um sistema de diferentes situações sociais que alcançam a população, ao longo de suas vidas, em situação de trabalho ou ausência deste e em situação de insuficiência de renda. A seguridade social é, pois, uma cobertura social que não depende do custeio individual direto. São objetivos da seguridade social, segundo a carta constitucional:



A universalidade de cobertura e de atendimento; uniformidade e equivalência dos benefícios e dos serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos benefícios; equidade na forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com a participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados. (Parágrafo Único do artigo 194 da Constituição Federal).



Entre as inovações constitucionais, em relação ao sistema protetivo no Brasil, destaca-se no campo legal, a centralidade da responsabilização do Estado na regulação das políticas públicas dentro da proteção social e junto a isso a proposta de descentralização e participação da sociedade civil no controle das políticas sociais.

 É necessário destacar que, segundo Yazbek (2012), a Constituição brasileira é promulgada em um contexto histórico dramático, dominado pelo crescimento da pobreza e da desigualdade social, o que veio a endividar ainda mais o país. Esse contexto é marcado por um processo de reestruturação produtiva, no qual é preciso limitar a intervenção estatal sob a inserção de uma ótica neoliberal no país. A pressão resultante do Consenso de Washington[1] e exercida por e organismos como FMI – Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial responsáveis por estabelecer estratégias neoliberais para que os países periféricos enfrentassem suas crises, resultou na adoção de  medidas econômicas e ajustes fiscais que, no campo da proteção social, irão refletiram no crescimento dos índices de pobreza, indigência e desemprego.

Nesse contexto, as transformações econômicas que aconteceram, tensionadas pela consolidação do modelo neoliberal que implementou estratégias de mundialização e financeirização do capital, com seu curso privatizante e focalizador das políticas sociais, criou obstáculos, de diversas formas, à realização dos novos direitos emergentes na Constituição de 88. Assim o processo de construção da seguridade social brasileira, não se consolida nesse período, devido à conjuntura política de rearticulação do bloco conservador com a eleição de Fernando Collor de Melo para presidente da Republica, o que também por sua vez, obstruiu a realização dos novos direitos constitucionais.

Nos anos 90 configurou-se um novo perfil para a pobreza e suas expressões no Brasil, principalmente no que se refere à precarização do trabalho e a corrosão do sistema público de proteção social, realizou-se uma retração dos investimentos públicos no campo social com crescente reordenamento e a subordinação das políticas sociais às políticas de ajuste econômico, ou seja, restrições dos gastos públicos e o incremento de uma perspectiva privatizante.

Segundo Yazbek (2012), é nesse contexto que se inicia a construção de uma nova concepção para a Assistência Social brasileira, que é regulamentada como política social pública, inserida no campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade do Estado. Nesse sentido, a instituição da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social, estabelece uma nova direção para a referida política no país, tornando-a uma política pública de direito dos que dela necessitarem.

A política de assistência, que tem por funções a proteção social e a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos, organiza-se sob a forma de um sistema público não contributivo, descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social - SUAS. Parágrafo único. A assistência ocupa-se de prover a proteção à vida, reduzir danos, prevenir a incidência de riscos sociais, independente de contribuição prévia, e deve ser financiado com recursos previstos no orçamento da Seguridade Social. (Art. 1º da NOB/SUAS. 2012).



            A inserção da Assistência Social na Seguridade Social aponta para o seu caráter de política de proteção social, voltada para o enfrentamento da pobreza e articulada a outras políticas do campo social, voltada para a garantia de melhores condições de vida. A assistência social a partir disso, é definida como um direito não contributivo, passando a ser um espaço para a defesa dos interesses e necessidades sociais das classes menos favorecidas na sociedade. Assim, é dever da assistência social desenvolver ações de prevenção e provimento de garantias ou seguranças sociais, por meio de programas, projetos, serviços e benefícios voltados para a proteção social e para o atendimento de necessidades da população usuária dessa política.

            Apesar da assistência Social, ser uma política de Estado e possuir caráter universal de direito, a Constituição federal cria novos contornos para a proteção social brasileira, particularmente para a política de Assistência Social, que segundo Yazbek (2012), “passa a ser também objeto de esvaziamento e desqualificação em seu processo de implementação no pós constitucional no país, contexto no qual ocorre a despolitização do enfrentamento da questão social brasileira.”

            Essas questões emergem no país em um contexto de grandes mudanças societárias, mais precisamente na década de 90, interferindo na questão social. Assim  algumas questões ficam à espera de respostas, como por exemplo a compatibilidade, ou não, entre direitos, políticas sociais e as relações que se estabelecem entre Estado, sociedade civil e mercado em um novo contexto do processo que favorece a acumulação capitalista. Nesse contexto, no qual, o trabalho e o direito à proteção social pública sofreram os rígidos embates das transformações estruturais geradas pelo capitalismo, o que rebate duramente sobre o trabalho assalariado e as diferentes relações de trabalho, o levando a um processo de rearranjo dos sistemas de proteção social e da política social de modo geral.

Tais inovações tiveram um impacto positivo na ampliação da cobertura de programas de segurança de renda à população, entretanto, a década de 90 reformas implementadas buscaram atuar no sentido contrário. A adoção de medidas restritivas significou a ampliação da desproteção para alguns grupos de trabalhadores. Entre essas medidas pode-se estar à substituição da comprovação do tempo de serviço e pela comprovação por tempo de contribuição para o acesso à aposentadoria, fazendo crescer o risco de perda da condição de segurado e dificultando o acesso aos benefícios previdenciários.

            Além dos programas contributivos, que têm longa história no Brasil, registra-se a partir dos anos 1990 um elevado investimento em programa de transferência. As chamadas transferências de renda não contributivas têm origem bastante recente no Brasil. Essas se consolidam na esfera federal, no início dos anos 2000, operando novos tipos de benefícios monetários, não previstos pelo texto constitucional, não sendo, pois, um direito social, pois não possui caráter de universalidade, mas trata-se de um benefício monetário assegurado pelo Estado em instancias governamental.

O novo formato misto não contributivo e contributivo de garantia de renda no campo da seguridade social persegue objetivos distintos. Enquanto o seguro social visa prevenir e evitar as situações de ausência de renda nos casos da perda da capacidade de trabalho, os programas assistenciais limitados a remediar, buscam fazer frente a situações em que a pobreza já está instalada.

A previdência social definida pela Constituição, mantém-se organizada sob a base da contribuição de empregados e empregadores, garantindo proteção aos riscos sociais para os trabalhadores com contratos formais de trabalho. Para os demais grupos de trabalhadores, a lei institui tratamento distinto. Analisando a contribuição à previdência social que se originam das ocupações não assalariadas, Pochmann,[2] conclui que menos de 11% dos trabalhadores informais mantinham-se, em 2006, como contribuintes. A baixa taxa de contribuição é reforçada pelo expressivo número de desempregados no mercado de trabalho, assim como, pela alta rotatividade no emprego que compromete a permanência do vínculo com a previdência e, em consequência, a garantia de proteção social. A baixa renda, a precariedade dos vínculos trabalhistas e a incerteza ocupacional que caracterizam as atividades de grande número dos trabalhadores urbanos tornam a construção de uma cobertura universal de base contributiva no país, pouco viável.

            A Carta Constitucional instituiu uma segunda garantia de renda vinculada à seguridade social, o BPC – Benefício de Prestação Continuada, que foi o primeiro benefício assistencial implementado no país em escala nacional, tendo começado a operar em 1996. A Lei Orgânica da Assistência (LOAS) regulamentou o BPC, fixando o acesso ao benefício para aqueles cuja renda per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo.

A ampliação da proteção social no campo dos benefícios não contributivos, foi realizada mais recentemente por meio dos chamados programas de transferência de renda. Apesar do governo Fernando Henrique Cardoso - FHC estabelecer como prioridade o reajuste econômico do país, dando pouca atenção à agenda social, em 2001 esse governo criou por meio de um contrato com o BID – Banco Internacional de Desenvolvimento, a rede de proteção social. Essa rede introduzida no campo social criou um conjunto de ações seletivas voltadas para a população mais vulnerável. Essas ações sociais se davam por meio de transferência de renda, com destaque para a expansão de alguns programas como o BPC, o PETI – Programa de erradicação ao Trabalho Infantil, criado no ano de 1996, o Programa Nacional de Renda Mínima, vinculado ao também Programa Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, O Agente Jovem e posteriormente o Programa Auxílio Gás. Esse conjunto de programas federais tomaram grandes proporções e se tornam as mais recentes formas de enfrentamento à pobreza no Brasil, permitindo o crescimento de propostas de transferência monetária no âmbito da política social.

 Apensar da natureza desses programas federais ser oposta a do modelo universalista de proteção social que emergiu da Constituição, essa iniciativa se consolidou nos últimos anos por meio do PBF – Programa Bolsa Família, que alcança principalmente famílias cujos membros adultos estão em idade economicamente ativa participando ou não do mercado de trabalho. O PBF introduz uma relevante inovação com relação aos anteriores. Os primeiros programas federais beneficiavam principalmente famílias em situação de pobreza que contavam com crianças em sua composição, reafirmando assim, a ideia da vulnerabilidade pela idade como condição para a legitimidade da transferência de renda. O PBF, ao contrário, mantém uma faixa de proteção que beneficia qualquer família, independentemente de sua composição.

             A inovação representada pelo Bolsa Família diz respeito, assim ao reconhecimento da relevância e da legitimidade de garantir uma renda a todos aqueles que estejam abaixo de um patamar considerado mínimo. Embora, haja restrições representadas pelo valor limitado do benefício que pode variar dependendo da renda e da composição familiar, a implantação do PBF parece efetivamente configurar a formação de um novo pilar no sistema de proteção social no país.

            No que se refere à pobreza e à transferência de renda, o BPC e o PBF beneficiam populações distintas de acordo com sua participação no mercado de trabalho. Os benefícios sob responsabilidade da previdência social, como o BPC, visam beneficiar às populações reconhecidas como impossibilitadas, temporária ou definitivamente, de arcarem com sua sobrevivência pelo próprio trabalho. De acordo com a LOAS:



O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Artigo, 20. Lei Orgânica da Assistência Social)



            O Bolsa Família, por outro lado, alcança principalmente aquelas famílias cujos membros adultos estão em idade economicamente ativa e participam do mercado de trabalho.

             Os benefícios monetários não ancorados na contribuição social ou na comprovação do exercício do trabalho legitimam e fazem emergir tensões expressivas no campo da proteção social. A assistência social, ao contrário, do seguro social, não corresponde ao princípio da reciprocidade[3]. De fato, além de estar assentada na separação entre os que pagam e os que recebem, a assistência social exige a comprovação do estado de necessidade para o acesso ao beneficio, por meio da renda familiar.

            O beneficio sem a contra partida da contribuição da população, apta para o trabalho, parece questionar a própria obrigação do trabalho que organiza as sociedades modernas. Ao mesmo tempo significa um reconhecimento da incapacidade do sistema econômico em prover oportunidades à população.

            A longa crise econômica associada à redução da criação de postos de trabalho formais e à queda da renda média do trabalho permitiu a instituição de uma política de garantia de renda para um ampliado grupo da população em situações vulneráveis da sociedade. Nesse contexto a assistência social passou a ser responsabilizada por atuar de forma conjunta com a proteção social. Atingiu uma população impossibilitada de obter renda satisfatória via sua inserção no mercado de trabalho, bem como, de assegurar, via contribuição social diante da incapacidade do trabalho.

            Com isso, para Jaccoud, a ampliação da cobertura dos programas de garantia de renda ainda não está consolidada. A adoção dos benefícios assistenciais depende da clara afirmação de um projeto político abrangente que mobilize um novo patamar de intervenção do Estado no campo social. Essa não é uma trajetória simples, como tem mostrado o caso do Brasil.

            No próximo tópico, trataremos dos programas federais que se voltaram para o atendimento às famílias pobres, os impactos desses programas no enfrentamento à pobreza no Brasil nos anos recentes, associados a um grupo de restrições progressivas as coberturas universais, asseguradas pelo modelo de proteção social adotado em 1988.   


 Por Priscila Morais




[1] O Consenso de Washington é um conjunto de medidas formulado em novembro de 1989 por economistas de instituições financeiras situadas em Washington, como o FMI – Fundo Monetário Internaiconal, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Tais medidas foram fundamentadas num texto do economista John Williamson,  do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990, quando passou a ser "receitado" para promover o "ajustamento macroeconômico" dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.


[2] Marcio Pochmann é um economista e político brasileiro. Formado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduado em Ciências Políticas e foi supervisor do Escritório Regional do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no Distrito Federal, além de docente na Universidade Católica de Brasília.


[3] O princípio de reciprocidade consiste em permitir a aplicação de efeitos jurídicos em determinadas relações de Direito, quando esses mesmos efeitos são aceitos igualmente por países estrangeiros. Segundo o Direito Internacional, a reciprocidade implica o direito de igualdade e de respeito mútuo entre os Estados.




REFERÊNCIAS:



BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988.






YAZBEK. Maria Carmelita. Pobreza no Brasil contemporâneo e formas de seu enfrentamento. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (110). São Paulo: Cortez, 2012.



_________, Lei Orgânica da Assistência Social. Promulgada em: 7 de dezembro de 1993.




JACCOUD. Luciana. Pobres, pobreza e cidadania: os desafios recentes da proteção social.




quarta-feira, 12 de março de 2014

Diário de uma quase sobrevivente da cracolandia: 'Perda total'


 Uma excelente reportagem que retrata a dura realidade de muitos brasileiros, dependentes do crack.
Vale muito a pena a leitura. 

Por Eliane Trindade - Folha de São Paulo

 CLIQUE NO LINK ABAIXO: 

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/redesocial/2014/03/1423557-diario-de-uma-quase-sobrevivente-da-cracolandia-perda-total.shtml


FONTE: Folha de são Paulo: http://www.folha.uol.com.br/