terça-feira, 12 de agosto de 2014

PESQUISA PARTICIPANTE: o que é como se faz?



Por Rildo Ferreira dos Santos

INTRODUÇÃO



Quando nos deparamos com um problema desconhecido, nosso bom-senso nos diz que devemos conhecê-lo antes de tentar resolvê-lo. Daí que surgem perguntas às quais as respostas nos permitirão conhecer o objeto-problema em questão. Naturalmente, nem todas as perguntas terão respostas imediatas; posso sugerir que maioria absoluta delas. Então, o que fazer? Esse questionamento nos remete aos tempos de escolarização básica, quando o professor ou a professora nos determinava uma pesquisa para se conhecer sobre determinado assunto. Ora, sem conhecer os meandros que exige uma pesquisa, corríamos às revistas, aos jornais e às enciclopédias de onde extraíamos alguns conteúdos para serem apresentados ao professor/a.

Mas pesquisa é muito mais que um apanhado de dados, mais ou menos organizados, daquilo que já se conhece sobre o assunto. Lüdke e André (1988, p. 1) dizem que “Para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele”. Esta atividade é importante para a produção do conhecimento, mas não é conclusiva. Conhecer o objeto-problema a ponto de propor algo que possa solucioná-lo é uma tarefa que leva o indivíduo à condição de ser PESQUISADOR.

Ser pesquisador, entretanto, é ser capaz de elaborar um projeto de pesquisa a partir de uma inquietação, de um problema que se deseja conhecer; é optar por uma linha metodológica que possa lhe proporcionar o saber. Sobre essa linha metodológica é que este texto se propõe dialogar, mais especificamente sobre a PESQUISA PARTICIPANTE, deixando claro que existem outras vertentes que mereçam igual valor dialógico, como a pesquisa etnográfica; pesquisa-ação; estudo de caso etc., mas nosso diálogo busca contribuir para o entendimento do que vem a ser a pesquisa participante tentando identificar os vários aspectos que a caracterizam e como ela é aplicada no fenômeno educacional. É isto que propomos.

II – Pesquisa Participante x Pesquisa Ação: pálido marco divisório

Quero chamar sua atenção para este subtítulo: nele eu expresso ser tênue a linha divisória entre a Pesquisa Participante e a Pesquisa Ação. Muita discussão tenta aprofundar as diferenças entre essas duas vertentes. No meu modo de ver não há um contorno expressivo em cada uma delas ao ponto de estabelecer a diferença fundamental que caracterize uma divergência que não seja superável. Thiollent (1997) diz que “Toda pesquisa-ação possui um caráter participativo, pelo fato de promover ampla interação entre pesquisadores e membros representativos da situação investigada. Nela existe vontade de ação planejada sobre os problemas detectados na fase investigada” (p. 21). Este mesmo autor diz que, no caso da Pesquisa Participante, alguns partidários desta vertente investigativa não vêem a necessidade de “objetivação e divulgação da informação ou do conhecimento”, atribuindo, também, a relação da pesquisa-ação com o fato do termo ser utilizado internacionalmente para “designar um tipo de intervenção psicossociológica no contexto organizacional (…), segundo uma visão operacional sem perspectiva crítica ou conscientizadora (idem).

A pesquisa-ação começou a ser aplicada e teve sua práxis impactante lá pelos anos de 1960 com forte intervenção social e política no contexto das lutas sociais e da libertação do indivíduo, ou do grupo social no qual o indivíduo está inserido, com forte mobilização para que a ação alcançasse o êxito esperado. Isso quer dizer que o indivíduo seria libertado do dogmatismo político ou religioso, discutindo as causas principais que os afetavam buscando uma ação libertadora. Nesse sentido, a pesquisa (e o pesquisador) precisa clarear os objetivos, as implicações possíveis na ação e radicalizar a democratização da construção do saber. Também é preciso ter um compromisso claro com a verdade conhecida e apreendida pelos sujeitos que se relacionam com a situação investigada.

Nota-se, portanto, que tanto a Pesquisa Participante quanto a Pesquisa Ação, têm muitos aspectos comuns. Thiollent (1997), citando Brown e Tandon, chama a atenção de que certos autores consideram que a Pesquisa Ação é uma proposta adaptada aos países industrializados enquanto a Pesquisa Participante é uma característica dos países emergentes. A diferença é que a Pesquisa Participante lida com situações de contestação de legitimidade do poder vigente, enquanto a Pesquisa Ação requer legitimidade dos diferentes atores e convergência de interesses. Daí que considero pálido o marco diferencial, pois não é possível perceber com clareza esta divergência entre Pesquisa Participante e Pesquisa Ação, e se existe, está sendo superada. Para Thiollent (1997) o que mantém um determinado afastamento entre ambas as pesquisas é a distância que seus defensores cultivam ao longo dos anos, tornando difícil a convivência entre o pragmatismo da Pesquisa Ação e a conscientização pretendida pela Pesquisa Participante.

III – Pesquisa Participante: o que é como se faz

Ora, Fals Borda (in Brandão, 1988), estabeleceu alguns princípios metodológicos da Pesquisa Participante começando com Autenticidade e Compromisso. Autenticidade no sentido de produzir um saber que parte do saber do seu sujeito-objeto, constituído na prática comunitária, demonstrando com transparência e honestidade um compromisso com o saber a ser construído contribuindo com os princípios específicos da ciência sem a necessidade do disfarce como sujeito de origem da área delimitada para o estudo.

Outro princípio é o Antidogmatismo que busca romper com algumas idéias preestabelecidas ou princípios ideológicos. Para Fals Borda o dogmatismo é, “por definição, um inimigo do método científico”. Isso não implica dizer que o pesquisador não seja um sujeito ideologicamente identificado com uma proposta política. Mas sua intervenção não pode ser aquela da falsa consciência, de deturpação da realidade, que captam apenas pela aparência e não pela essência. A ideologia “é parte inevitável do negócio científico, ou no sujeito, ou no objeto, ou em ambos. A própria condição de sujeito cognoscente acarreta o reconhecimento de que ideologia é intrínseca na própria interpretação da realidade” (Demo, 2000).



IV – Metodologias da Pesquisa Participante

Entender o que vem a ser a Pesquisa Participante começa por reconhecer que há uma relação estreita entre ciência social e intervenção na realidade com vistas a promover a superação das dificuldades de um determinado grupo social. Isso significa dizer que a ciência não é o fim em si mesma, mas um instrumento de questionamento sistemático para a construção do conhecimento do cotidiano e do destino humano (Minayo, 2004; Fals Borda in Brandão, 1988).

Por ser crítica-dialética, a Pesquisa Participante busca envolver aquele que pesquisa e aquele que é pesquisado no estudo do problema a ser superado, conhecendo sua causa, construindo coletivamente as possíveis soluções. A pesquisa será feita com o envolvimento do sujeito-objeto. O pesquisador não só passa a ser objeto de estudo, assim como os sujeitos-objetos são igualmente pesquisadores onde todos, pesquisador e pesquisados, identificam os problemas, buscam-se conhecer o que já é conhecido a respeito do problema, discutem as possíveis soluções e partem para a ação, seguido de uma avaliação dos resultados obtidos.

Fals Borda (in Brandão, 1988) argumenta sobre o que a comunidade científica chama de senso comum e despreza. Para a Pesquisa Participante, no entanto, os saberes dos indivíduos construídos no cotidiano da vida comunitária é parte importante no processo de construção do conhecimento. No artigo disponível na internet ele diz:

O que se entende por pesquisa participante? Antes de tudo, não se trata do tipo conservador de pesquisa planejado por Kurt Levin, ou as propostas respeitadas de forma social e a campanha para a pobreza nos anos 60. Refere-se, antes, a uma “pesquisa da ação voltada para as necessidades básicas do indivíduo” (Huynh, citado por Borba in Brandão, 1988) que responde especialmente às necessidades de populações que compreendem operários, camponeses, agricultores e índios – as classes mais carentes nas estruturas sociais contemporâneas – levando em conta suas aspirações e potencialidades de conhecer e agir. É a metodologia que procura incentivar o desenvolvimento autônomo (autoconfiante) a partir das bases e uma relativa independência do exterior…

Para este autor a Pesquisa Participante é uma forma de praticar a ciência sem valores absolutos no conhecimento científico porque este varia conforme os interesses e objetivos dos indivíduos, ou grupo de indivíduos, envolvidos na construção e acumulação do conhecimento. Então, quem pratica a Pesquisa Participante deve estabelecer uma comunicação diferenciada, de acordo com o nível de desenvolvimento político e educacional dos grupos de base daqueles que fornecem a informação. Nada de linguagem rebuscada, erudita, que foge à compreensão dos indivíduos envolvidos na pesquisa. A comunicação deve ser simples para ser acessível a todos e todas. O pesquisador deve aprender a ouvir os discursos com diferentes sintaxes culturais e adotar a humildade daqueles que desejam aprender a aprender.

Para entender claramente a Pesquisa Participante é preciso reconhecer que o problema a ser conhecido para ser solucionado tem origem na própria comunidade e a finalidade da Pesquisa Participante é a mudança das estruturas com vistas à melhoria de vida dos indivíduos envolvidos (Demo in Brandão, 1994; Minayo, 2004; Fals Borda in Brandão, 1988). Neste caso, pesquisador é aquele que teve formação especializada, mas também se estende aos indivíduos do grupo que participa da construção do conhecimento, tendo como princípio filosófico a conscientização do grupo de suas habilidades e recursos disponíveis.

Se a pesquisa precisa ser pensada a partir das necessidades emergentes das comunidades, uma questão primeira que se coloca é a necessidade de exploração, ou seja, investigar na comunidade onde se pretende praticar a pesquisa um problema a ser solucionado. Assim que for possível identificar um problema fixa-se um objetivo e começa a construção das variáveis e dos instrumentos de pesquisa. A delimitação do espaço a ser investigado é importante. Em seguida, estabelece-se uma aproximação com os indivíduos da área selecionada. Este contato é fundamental e serve para estabelecer uma situação de troca. O grupo a ser estudado precisa ser esclarecido sobre aquilo a que se propõe a pesquisa para construir um jogo colaborativo (Neto in Minayo, 1994).

Identificar o problema tem a ver com elaborar uma teoria de causalidade em conjunto com os atores envolvidos na pesquisa. Trata-se de fundamentar a questão para uma compreensão de todos e todas das causas para a formulação de propostas a serem aplicadas na mudança da situação. De maneira clara, transparente e democrática, começa-se o processo de realização das ações que pretendem solucionar o problema e a participação do grupo de modo colaborativo é fundamental para a eficácia esperada.

V – Conclusões

Inicialmente, procurei mostrar que a divergência entre Pesquisa Ação e Pesquisa Participante é quase imperceptível, salvo por seus defensores que se mantêm distantes, e pode ser perfeitamente superável e chegar, de fato, a fusão proposta por Brown (Fals Borda in Brandão, 1988).

Em seguida, passei a discutir a Pesquisa Participante para entender como ela se apresenta para compreender como se faz uma Pesquisa Participante. Desse modo, vimos que a pesquisa aqui abordada tem como princípio uma ação transformadora que privilegia a melhoria das condições de vida dos indivíduos envolvidos com ela; estes que serão objetos de estudo e ao mesmo tempo pesquisadores, construtores de um novo saber que supera os saberes construídos no cotidiano da vida comunitária.

Foram apresentados alguns passos de como se faz a Pesquisa Participante. É preciso destacar que a construção das ações que culminarão com um novo saber tem como parceiro colaborador daquele que se propõe a realizar a pesquisa a própria comunidade a ser estudada. Por isso mesmo que a proposta parte de uma investigação prévia para a identificação de um problema, passa pela delimitação de uma área específica, pelo envolvimento colaborativo dos indivíduos da comunidade até a ação propriamente dita.

Nosso diálogo foi uma tentativa de perceber a Pesquisa Participante pra saber como é e como se faz, e assim contribuir para uma compreensão simplificada daqueles que espero sejam pesquisadores sociais, sobretudo em educação.




VI – Bibliografia

DEMO, Pedro. Pesquisa e Construção do Conhecimento: metodologia científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, 2000.

BORDA, O. F. Aspectos teóricos da pesquisa participante: considerações sobre o significado do papel da ciência na participação popular.  In: BRANDÃO, C. R. (Org.).  Pesquisa Participante. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

LÜDKE, Menga. André, Marli E.D.A. Pesquisa em Educação: Abordagem qualitativa. São Paulo: EPU, 1988 – (temas básicos de educação e ensino)

MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 23 ed. Petrópolis, Rio de Janeiro : Vozes, 1994.


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