segunda-feira, 19 de agosto de 2013

POBREZA E SUAS FORMAS DE ENFRENTAMENTO NO ESTADO NEOLIBERAL



RESUMO




Este texto tem como objetivo, analisar a pobreza enquanto expressão da questão social, fazendo um breve levantamento sobre seu fundamento histórico e suas dimensões, articulado-o com os princípios da sociedade capitalista. Pretende-se também discutir a funcionalidade do Estado neoliberal, no sentido do enfrentamento da pobreza e da desigualdade via políticas sociais e públicas e seus embates na vida da classe trabalhadora, com a finalidade de apreender quais os seus reais interesses. Serão destacados também os desafios profissionais do assistente social frente às ações minimalistas em face da questão social maximizada.


INTRODUÇÃO




A pobreza é uma manifestação que permeia a sociedade desde o seu fundamento como sociedade de classes, sendo assim a pobreza não é fruto apenas da sociedade capitalista, esta passa a existir a partir das primeiras formas de exploração do homem pelo homem nas sociedades escravista e feudal, mas é no modelo de produção capitalista que esse fenômeno torna-se complexo e persistente. É a partir do advento da sociedade capitalista e do desenvolvimento das forças produtivas comandada pela relação desumana de exploração do capital que a pobreza se agrava e ganha maiores proporções.

A pobreza vem se intensificando ao longo dos séculos, sobretudo nos países da América Latina, os quais necessitam alcançar em números, metas que comprovem o combate e o fim da miséria.

A ordem socialmente determinada estabelece ideologicamente a pobreza como um fenômeno essencialmente ligado apenas a carência monetária, fenômeno esse que deve ser “combatido” através da intensificação do uso de mecanismos estatais, a exemplo dos programas de transferência de renda. Segundo Andrade, (1989). “Isto espelha a própria lógica interna da dinâmica do sistema capitalista, no qual o Estado aciona mecanismos que mais favorecem a sua própria acumulação e legitimação do que mesmo beneficiam a população para a qual esses mecanismos são justificados, significando que a ordem estabelecida requer a pobreza e a reproduz enquanto tal, isto é, enquanto carência material e demanda social”.

            Ao passo em que o Estado “combate” a pobreza e a desigualdade, ele as mantém, pois este precisa exercer a sua principal função que é atender as necessidades do capital com a manutenção e reprodução da força de trabalho via políticas públicas e conservar a lógica de funcionamento da ordem social vigente, onde se encontra o fundamento da contradição capital/trabalho que gesta e agrava a situação de pobreza, enquanto expressão da questão social. Ao Estado cabe a tarefa de regular as relações de desigualdade gestadas nesta sociedade, desse modo ao mesmo tempo em que o capitalismo exclui os indivíduos, o Estado trata de “incluí-los” na categoria que “iguala” todos os indivíduos nessa sociedade na esfera do Estado: a cidadania.

Segundo os estudos de Sérgio Abranches, (1985) “pobreza é destituição, marginalidade e desproteção: destituição dos meios de sobrevivência física; marginalização no usufruto dos benefícios do progresso e no acesso as oportunidades de emprego e renda; desproteção por falta de amparo público adequado e inoperância dos direitos básicos de cidadania que incluem garantias à subsistência e bem-estar social”.

O autor, mesmo destacando os direitos e as garantias a subsistência, fica subentendido as demais dimensões da pobreza quando o mesmo referencia os direitos a cidadania. Abranches questiona os parâmetros que avaliam e afirmam inteiramente a pobreza através dos níveis de renda. Para o autor, no Brasil, atualmente convivem duas formas de pobreza: “a estrutural, mais arraigada e persistente, e a cíclica que se agravou com a crise do desemprego.” (Abranches, 1985).

O fator econômico é um componente da pobreza no sentido de “ameniza-la”, mas também e principalmente é o componente que a determina, sendo a pobreza resultante das relações de exploração de classes.

Dando-se relevância ao estudo da pobreza em dimensões não econômicas destaca-se a concepção de pobreza de Pedro Demo denominada “Pobreza Política” na qual ele concebe a pobreza como privação de cidadania. Assim como Abranches, Demo também referencia duas formas de pobreza que são: “não ter e não ser” a primeira é de ordem material e a segunda de ordem imaterial. Para Demo, “é pobre também a pessoa que vive em estado de manipulação, ou destituída da consciência de sua opressão, ou coibida de se organizar em defesa de seus direitos”. (Demo, 1988).

A questão da pobreza política, para Demo, está ligada a falta de participação dos indivíduos na construção histórica da sociedade e a postura acomodada dos mesmos em face das desigualdades sociais. Não se trata de desprezar a questão material da pobreza, mas agregar a preocupação com a questão material, a preocupação com a questão política, possivelmente ainda mais grave, segundo o autor.



 POBREZA E DESIGUALDADE



Segundo Netto, [1]com base em dados e pesquisas cientificas que comprovam o alto índice de desigualdade social nos países que compõem a [2]América Latina, o autor diz que “Há poucos países, na América Latina e no mundo, que apresentam padrões de desigualdade social como os que se registram no Brasil.” Mas a desigualdade, embora em nível diverso não é uma realidade apenas brasileira, marca o conjunto das principais sociedades latino-americanas que apresentam o maior índice de desigualdade do planeta.

A pobreza é uma problemática que está intimamente articulada à desigualdade, pois são constituintes da exploração da dinâmica econômica do modo de produção capitalista.

Os indicadores da pobreza são sempre objetos polêmicos, pois costumam apresentar resultados muito diversos, servindo como meios de manipulação política e ideológica. Os estudos contemporâneos sobre desigualdade e pobreza fogem a referenciais teóricos críticos, não fazem uso de nomenclaturas como – modo de produção capitalista - que apontam o norte fundamental para tratar o fundamento histórico da pobreza e da desigualdade, ou seja, não se vai às bases, a fonte do problema, pois não é esse o interesse de quem tenta justificá-la nessa sociedade.

Segundo Netto, na perspectiva marxiana: “desenvolvimento capitalista é, necessariamente e irredutivelmente, produção exponenciada de riqueza e produção reiterada da pobreza”. A pobreza sempre existiu e sempre continuará a existir nessa sociedade, pois é esta mesma, segundo [3]Netto, a contraparte necessária da riqueza socialmente produzida. Por isso, é possível afirmar que o desenvolvimento econômico não é a única condição necessária para enfrentar a pobreza que decorre da própria acumulação capitalista.

Ao falar em crescimento econômico e redução da pobreza e desigualdade, faz-se necessário fazer um breve retorno ao modelo de Estado de Bem Estar social que foi, segundo Netto, uma articulação política em que o crescimento econômico contribuiu significativamente para a redução da pobreza absoluta e uma diminuição da desigualdade, em um contexto de “anos gloriosos”.

Com a [4]crise do capitalismo nos anos 70 do século XX, a burguesia monopolista rompeu com uma relação de 30 anos de sucesso com Keneysianismo/ Estado de bem estar social. O objetivo desse rompimento foi uma tentativa de conter a queda das taxas de lucros, incorporando a partir disso a ideologia neoliberal que tem como real objetivo um Estado mínimo para os males sociais e máximo para os interesses do capital, o que trouxe rebatimentos desastrosos para a classe trabalhadora, como:

- Desresponsabilização do Estado e do setor público com uma política social de redução da pobreza articulada coerentemente com outras políticas sociais. Visto que o combate à pobreza acontece através de uma política específica que põe em questão seu caráter universal.

- A desresponsabilização do Estado e do setor público.

- Desdobra-se o sistema de proteção social: para os seguimentos populacionais que dispõem de alguma renda, há a privatização/mercantilização dos serviços a quem pode recorrer; para os seguimentos mais pauperizados há serviços públicos de baixa qualidade.

- Flexibilização das leis trabalhistas, terceirização entre outros prejuízos para o mundo do trabalho.

Nesse contexto neoliberal a política voltada para o enfrentamento da pobreza é prioritariamente emergencial, focalizada e reduzida à dimensão assistencial. São ações minimalistas para enfrentar a questão social maximizada.  

            Segundo Netto, a desconstrução do Estado de Bem Estar Social mostra a incompatibilidade entre a dinâmica capitalista e a supressão da pobreza e da desigualdade. Essa desconstrução indica que o capitalismo contemporâneo mostra-se cada vez menos capaz de viabilizar reformas de ampliação de direitos sociais e só pode manter-se e reproduzir-se através do processo de acumulação que desencadeia todo o processo de fundamento e alargamento dos males sociais.



POBREZA, DESIGUALDADE E PROTEÇÃO SOCIAL




            A [5]Constituição é marco central para analisar a evolução recente da proteção social no Brasil, que ao contrário dos programas contributivos, que tem longa história no país, as chamadas transferências de renda não contributivas têm origem recente, eles surgem, na esfera federal, a partir dos anos 2000, implantando novos tipos de benefícios monetários, não previstos pelo texto constitucional, não sendo, pois, um direito social, mas um beneficio financeiro assegurado pelo Estado em instancias governamentais.

            Os programas de transferência de renda contributivos estão no âmbito do seguro social, inseridos na Política de Previdência Social, sendo um direito social reconhecido constitucionalmente. Porém o acesso a este direito social será, somente mediante ao vinculo contributivo.

             Os programas de transferência de renda não contributivos destacados por Jaccoud são o BPC e o PBF, ambos inseridos na Política de Assistência Social. A implantação do BPC, assegurando uma renda mensal de cidadania a todos os idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza, também significou uma relevante inovação. Este garantiu uma ampla cobertura da população idosa pela proteção social, além de atender de maneira inovadora no país as pessoas com deficiência em famílias pobres independentemente de qualquer contribuição. O [6]PBF garantiu a implantação de um beneficio básico voltado às famílias mais pobres independente da composição familiar, se houver crianças ou jovens nessa composição é instituído um acréscimo no benefício. A expansão do PBF vem consolidando a transferência de renda não contributiva como um novo pilar da proteção social brasileira, cumprindo o papel de complementar os demais programas de transferência de renda.

            Esse novo formato da seguridade social visa objetivos distintos. O contributivo visa prevenir os riscos sociais e o não contributivo, visa remediar situações nas quais a pobreza já existe.

            [7]A proteção social contributiva, no tocante a questão do mercado de trabalho se refere à manutenção da exclusão dos trabalhadores desempregados, empregados sem carteira assinada e os trabalhadores vinculados a atividades autônomas, com completa insegurança dos vínculos empregatícios, logo, sem condições de manter a contribuição junto à previdência, correndo o risco de perder a condição de segurado. Quanto à proteção social não contributiva, a relação de trabalhadores formais que muitas vezes se encontram em formas de ocupações precárias, cujos salários são muito baixos, além da insegurança dos vínculos empregatícios, muitas vezes com contratos provisórios, terminam por se igualar a mesma situação de trabalhadores informais devido a precariedade de suas ocupações[8]. [9]Desse modo, o fato de trabalhar não reduz necessariamente os riscos de pobreza.

           

 Os beneficiários idosos do BPC hoje são os antigos participantes do mercado de trabalho que não mantiveram vinculo contributivo com a previdência social. São também as famílias de trabalhadores desempregados, empregados sem carteira, trabalhadores autônomos e trabalhadores sem remuneração e o público privilegiado do PBF hoje que por não contribuírem com a previdência também, futuramente, serão beneficiários do BPC.

            Diante disso, Mota, problematiza quando diz que as Políticas de Previdência e de Assistência estão longe de formarem um amplo e articulado mecanismo de proteção, adquiriram a posição de serem uma unidade contraditória: “a afirmação de uma parece ser a negação da outra.” A autora faz essa afirmativa, pois segundo a mesma, ambas as políticas deveriam “proteger” o trabalho, mas devido aos os processos históricos (reestruturação do capital sob a ótica neoliberal) surgem os programas de transferência de renda, tornando a Política de Assistência focalista, voltada para minimizar a pobreza, fugindo do seu objetivo primeiro que é atuar conjuntamente com as outras duas políticas sociais que compõem a Seguridade Social.



DESAFIO DOS ASSISTENTES SOCIAIS FRENTE À POBREZA




            Quanto aos desafios dos assistentes sociais frente à pobreza, Netto diz que o profissional de Serviço social deve compreender a pobreza em sua gênese e no seu movimento. Através disso a intervenção do assistente social irá variar e com isso, variarão também os seus procedimentos para intervir junto a grupos humanos atingidos pela pobreza.

Só o profissional que possuir e souber manejar categorias capazes de qualificar teórica e socialmente a pobreza, poderá se colocar, corretamente ao problema dos instrumentos e das estratégias de intervenção; para um profissional que compreende a pobreza como natural e insuprimível e para outro que a apreende como um resultante necessário da exploração. (Netto, 2006).    



      O assistente social precisa compreender a dinâmica do capital contemporâneo e o significado social da profissão que é demandada pelo capital para enfrentar as expressões da questão social demandada por ele próprio, para então, apreender os seus limites e possibilidades de atuação. Para Netto, o limite parece claro: nenhuma ação profissional suprimirá a pobreza e a desigualdade na ordem do capital. Mas seus níveis e padrões podem variar e essa variação é absolutamente significativa – e sobre ela pode incidir a ação profissional, incidência que porta as possibilidades da intervenção que justifica e legitima o Serviço Social.

É preciso ainda que, ao apreender a função social da profissão o assistente social se perceba como uma profissão necessária para a reprodução social em diversas áreas, percebendo que não há contradição na profissão, esta nasce com sua função bem determinada, que é atuar no enfrentamento da questão social dentro de políticas sociais/públicas gerenciadas pelo Estado. A contradição está na base material da construção dessa sociedade na relação de exploração entre capital/trabalho.



      CONSIDERAÇÕES FINAIS

     

A pobreza está expressa em uma totalidade fundada pela relação de contradição entre capital/trabalho. É importante, segundo Netto, a compreensão de que a pobreza não findará neste modelo de sociedade, pois é este mesmo modelo que trata de produzir e reproduzir a pobreza e suas diversas dimensões. Não será o enfrentamento da pobreza via políticas públicas que acabará com essa expressão da questão social, as políticas sociais representam o Estado neoliberal no gerenciamento da pobreza, sem tomar medidas estruturais, mas apenas mantendo-a em “níveis amenos”, a partir do desenvolvimento das políticas sociais.




Notas de rodapé



[1] Dados de 1999 revelam que no Brasil, em média para cada 1 dólar recebido pelos 10% mais pobres, os 10% mais ricos recebem 65,8. Ou seja: os mais ricos se apropriam de uma renda quase 66 vezes maios que os pobres.

[2] A América Latina é a região do planeta onde existem as maiores desigualdades e onde os mais ricos recebem uma maior proporção de renda. Esses países apresentam a maior porcentagem de renda para os 5% mais ricos e a menor porcentagem de renda para os 30% mais pobres entre todas as regiões do planeta.

[3] No entanto Netto diz que os padrões de desigualdade e de pobreza não são apenas determinações econômicas, relacionam-se através de mediações muito complexas, determinações de natureza político-cultural.

[4] Segundo Netto, essa ofensiva do capital iniciada nos anos 70 teve uma finalidade central – fazer do mercado o único regulador societário.

[5] A Constituição alterou o quadro da proteção social com expressivos impactos, tanto em termos de ampliação da cobertura como em termos redistributivos.

[6] Entre abril de 2001 e janeiro de 2002, o governo federal instituiu os programas Bolsa Escola, Bolsa alimentação e o Auxilio Gás. Esses programas se voltavam ao atendimento de famílias pobres e se associavam a um grupo de restrições progressivas as coberturas universais (direito social) assegurados pelo modelo de proteção social adotado em 1988. Os programas de transferência de renda que haviam sido acrescidos em 2003, do chamado Cartão Alimentação, foram unificados, em 2004, pelo PBF.


[7] Durante a década de 90, reformas implementadas buscaram atuar no sentido contrário aos direitos sociais. A adoção de medidas restritivas significou a ampliação da desproteção para alguns grupos de trabalhadores. Entre essas medidas, Jaccoud destaca a substituição da comprovação por tempo de serviço por tempo de contribuição para o acesso à aposentadoria, fazendo crescer o risco de perda da condição de segurado e dificultando o acesso aos benefícios previdenciários.


[8]  Segundo Campos e Pochmann (2007), citados por Jaccoud, concluem que menos de 11% dos trabalhadores informais mantinham-se, em 2006 como contribuintes. A baixa taxa de contribuição é reforçada pelos expressivos números de desempregados no mercado de trabalho assim como pela alta rotatividade no emprego, que segundo os autores citados por Jaccoud, compromete a permanência do vinculo com a previdência e, em consequência, a garantia de proteção social.



[9] De acordo com a Pnad 2006, pouco menos que 10% das famílias cujos chefes participavam da PEA estavam em situação de indigência. Contudo mais de 40% das famílias cujo chefe estava desempregado se encontravam nesse grupo. Praticamente o mesmo se observa nas famílias onde o chefe trabalha sem remuneração.


Referências



NOGUEIRA. Maria Veralucia Leite. Uma representação conceitual da pobreza. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (36).  São Paulo: Cortez, 1991. Pág. 101 a 125.



PAIVA. Beatriz Augusto, OLIVEIRA. Maria Norma e GOMES. Ana Lígia. Medidas de combate à pobreza. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (63).  São Paulo: Cortez, 2000. Pág. 27 a 44.



MONTAÑO. Carlos. Pobreza, “questão social” e seu enfrentamento. IN: Revista Serviço Social & Sociedade (110).  São Paulo: Cotez, 2012.



- DEMO, Pedro. Pobreza política. Campinas: Autores Associados, 2001.



NETTO, José Paulo. A ordem social contemporânea é o desafio central.
 33º Conferência Mundial de Escolas de Serviço Social. 

Santiago do Chile, 28/31 de agosto de 2006.



  JACCOUD. Luciana. Pobres, pobreza e cidadania: os desafios recentes da proteção social.



MOTA. Ana Elizabete. Seguridade Social no cenário brasileiro. 


Por Priscila Morais- Graduanda em Serviço Social/ UFAL